Rilke ( a Y. )
A promessa de um céu move-se
Sobre mim como o pássaro dormente
Nas mãos quando tu o apanhas-te
As tuas mãos brancas translúcidas feitas
Para gestos mais largos céus mais fáceis
Esse teu vestido de nuvem vaporosa
Preenchia contra azuis menos funestos
O espaço livre do coração jovem
Que batia em ti sem constrangimentos
Livre e este pássaro contradiz a tua essência
Céu nuvem aspirando a liberdade vaga
De voar ou cavalgar o sonho lapidar
De seres tu mesma e este pássaro passivo
Na melancólica pena ruiva e bege pelagem
De um Inverno duro natural e sólido
A Natureza ampla de um sorriso
Há muito ausente dos teus lábios rectos
As árvores a encolherem sob a neve fria
A sensação de morte a permear o espaço
A rigidez plástica do céu imenso de azul
Daqui a nada vai cair a noite e voar
O pássaro das mãos numa lentidão cristalina
E bela e tu serás o teu vestido nuvem
Na simbiose serena de ser e parecer
O céu o prometido céu
Rilke 2 ( a Y. )
Talhar com a mão a imagem definida
Da única apenas uma mulher da nossa vida
Destruir depois em busca de mais uma
Mulher que não fosse imagem na ironia
Cruel de talhar a própria imagem incorruptível
O desejo seco da madeira móvel na força
Desenhada do buril rarefeita a lixa lisa
Como o pensar original convertido em gesto
A cara assombrosa que te ensombra
Uma tez de tinta por secar húmida de sangue
E lágrimas numa pasta onde serradura
Em texturas polvorentas se diz feição
E modo apenas uma a mulher da vida
Sem mais nenhuma para comparar a tristeza
De nem sequer outra tristeza lancinante
Vai casar e cai um muro fechado num sótão
E uma piada pia com um mau gosto palpável
Abençoada por uma Virgem muda e crua
E outra virgem que breve mudara a condição
E o coração fica como estava estúpido
Numa ignorância ainda mais real que
As pernas coxas e o penar raso e camponês
Existe uma perversa floresta negra rodeando
Werner de uma mulher só uma amálgama
De fé e sombra e de dor táctil que dói profunda
Rilke 3 ( a Y. )
Invoco Anjos como todos os que invocaram Anjos invoco
Percorrendo versos de metal aquecido ao ponto de urna
Amantes crianças saltimbancos transcendendo a pele
E o castelo destruído pela guerra crua entre irmãos
De pena fantoches entre mãos mais dolorosamente altas
Todo o Anjo é terrível a terrível realidade deste verso
Toca-me a testa num pressentimento móvel cheio de
Graça não este não é o Anjo da Maternidade a Maternidade
Não é terrível Gabriel traça-me uma fuga a estes metálicos
Versos em fusão dá-me o reconstruído Castelo de Duíno
Por uma corda de enforcado breve estou nas mãos
De um supremo titereiro o mundo palco de tragédia
Que não me pertence a que pertenço numa vacuidade
Pendente e expectante como o fruto da figueira ainda
Não flor numa inversão doce breve e raramente
Consentida pela metódica natureza que cumpre
O seu astral calendário ascendente de nascer à
Morte não pressentida mas inevitável e portando cândida
Ó amantes em derradeiro beijo vale até onde esse destino
Curto como a estrada para um destino exacto?
Esta Elegia é para mim que a escrevo na Língua
Morta escutada entre as árvores da Floresta do Sangue
E escorre num espesso leite primitivo como o Rio
Styx pelas cavernas ancestrais onde moram heróis
Onde moras Tu, Bardo, Tu e o Teu Anjo Terrível?
Rilke 4 ( a Y. )
A sensível fenda na parede do possível deixa
Penetrar no entanto o olhar atento a vista
É mais longa que o braço mas a chegada da Amante
Sabe a outra coisa mais distante e boa
E é assim que o homem alcança mais
Na profusão das multidões confusas reina
Como a abelha-mestra a possibilidade ínfima
De uma felicidade construída no vazio sonhado
Amantes-Anjo Terríveis e terríveis porque iguais
Na dimensão afinal mínima de simplesmente serem
Um no outro postos olhos ascensos em nuvem e pássaro
Uma cordeira apatia transtorna-os e deixa-os ficar lá
Onde os barcos chegam sem nada e as gaivotas não poisam
O possível é a dimensão do teu sonho e este é concreto
Porque o teu sonho és tu máquina de desejos ávidos
Vai à plenitude do céu apanhar-lhe a cor e o motivo
Faz a casa na beira da água para escutares os mosquitos
Como ideias novas e longos desesperos verdes
De água e sombra faz a casa de tijolo rubro
Da cor apetecível dos morangos maduros
Qual é Anjo a cor máxima dos Amantes a dimensão
Métrica do amplexo e medi-lo uma tarefa vazia
Dado seguramente ser imensa nas suas apertadas dimensões
Voar raso entre telhados marcados e ruas de pedra
Ser o pássaro e prescindir o céu
Rilke 5 ( a Y. )
Cinco dedos nas mãos na ânsia de agarrar o material
Pétreo do futuro despi-lo decifra-lo e muda-lo
Porque a possibilidade de mudar é a regra imutável
Das coisas dos homens dos anjos e da natureza
Impregnada neles como um cheiro a tudo um
Odor de mais um ver o mar na neblina crua
De um dia mais claro que inevitavelmente nasce
Poeta já nos escreve a seiva da primeira árvore
Do Jardim do Éden ou do pântano azedo primeiro
E o nosso nome é vão nas bocas dos mortos
Aprender a linguagem de ver como caminho
Único e irrepetivel de ler ver ver com os olhos
Que antigamente me coroavam com o lírio
O verde e o crescer básico das coisas crescentes
Numa medida exacta de ser por ser medida
Com a medida que um homem deve ter
A exacta medida dos seus olhos quando se fita
No rio num dia sem vento e sem nuvens
E deixa a água a ler-lhe o rosto pelo tempo
Que quiser e mais deixa a água ser
Cinco poemas cinco estrofes mais e
Que me perdoe o Anjo de tentar aqui ser
Um bocado mais de mim Poeta eu sou o mocho
Tu voas na altura da águia ou algo de superior
A ela tu és a águia e um mundo acima
Fim D’hoje
Escorrido
Que fazer com a herança do verso escorrido
Uma maneira de ser pele sobre a pele áspera
Saber o dito ditado por legado e letras mágicas
A atravessar os séculos num cometa fixo
Brilhante como os olhos pálidos das mulheres
De um norte gélido e cinzento azuladamente frio
Uma forma nova impõe com o seu peso curricular
Um modernismo estranho ao meu caótico verso
E puxa-me há cem anos entre cafés na Baixa
Uma saudade provinciana do Martinho cerveja
Preta e empadas, e o brilho do Tejo no brilho
Do céu que recorta a estátua num contraluz barroco
Tenho dias de querer ser o Poeta de…outros não
Viver do verbo é demasiado íntimo para mim como
Se ser para os outros fosse dificilmente oco e
Não sei há uma rispidez no ar que me inquieta
Um sopro no pescoço arrepia-me lento às
Mãos perras e ao verso escasso escorrido
Sou de hoje como só se pode ser de hoje
Não espero de mim o compromisso histórico
De me filiar sob uma bandeira por bela
Uniformizar expressão por amor a cânone
Quero mais deste mundo exangue
Não me chega a planura das águas lisas
Adenda
Correr, fugir
Sair, partir em infindáveis viagens
Estou farto
Eternamente farto de estar farto
Extremamente doente desta terra, deste canto
Que já canto há tanto tempo sem proveito
Sinto em mim, entre o vazio
As ondas de um mar ausente
O fragor das marés cálidas naquela praia de sempre
O som do teu mergulho e o piar das gaivotas
O vento que soprava em solenes notas
.
Falta-me o ar, o sol
O tempo que perdi aqui
Faltam-me os olhos que deixei lá longe
A suave brisa que vinha de ti