Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

quinta-feira, setembro 27, 2007

 
39º.

A trovoada que trazes pela cabeça solar
Assusta as coisas os bichos
Traz o medo elementar
Pelas cinco sensações
Não não és normal
Porém, quem decidiu a norma
Usualmente não te conhecia
Nem podia prever o gesto de recusa
A negação do senso
A tentação do vácuo
O abraçar do largo
Que é como quem diz o abraçar do nada

Se há distinção entre Homem e Mulher
Passa sobretudo pelo olhar
Há quem fale de cheiros e sons e toques e sabores
Eu acredito que se algo nos separa são os olhos

Ver o Mundo
A tremenda responsabilidade de ver o Mundo
Escapa

A quem acredita que o que conta é contar o Mundo
E escapar dele pela escada diáfana de um sonho
De Sul ou Norte

Ver o Mundo
É saber o momento incontável na procissão
Absolutamente Sagrada
Absurdamente Sagrada
Do nada ao tudo e outra vez ao nada

A maré e o refluxo cósmico
A que não se acede por matemáticas vãs
Nem por somas de letras
A que apenas se acede pelo fundir dos olhos
Pelo soldar das mãos ao absoluto Já

Por isso
Mulher que acredito diferente pelos olhos
Segue o sonho de Sul ou Norte
Eu fico cravado na minha duna de gaivotas
No murmulhar do Oceano extinto
Pelo tempo que velo
Inevitavelmente extinto
E absurdamente belo

E aqui, onde lavro a folha
Sei já morta a última semente
E a mecânica do verso oculta ao derradeiro Homem

E aqui, onde rezo o Hoje
Sei-te já ida desde que me nasceste
E a opção por nós diluída em fumo

quinta-feira, setembro 20, 2007

 
38º.

A espuma branca corre-me aos pés mergulho as mãos a concha o cabelo as sobrancelhas o sal na boca o pescoço de repente frio, esfrego as carótidas e os pulsos, os pés submersos afundam na pasta de areia o mar está daquela cor que às vezes é a dos meus olhos. Um dia, entre contas indiscretas soube que os meus nove meses começavam em Setembro, por isso sei que foi aqui, talvez frente a este mar que começou o desejo que me trouxe. Ouve cinco antes de mim, e o primeiro desejo sei que é mais de Sul, e até sei nomear a terra do primeiro olhar, mas o meu, se não falhou a conta, é daqui. O meu amor a este mar é sabe-lo pai primeiro, o gosto desta onda é sabe-la mãe antes?

Murmura, quase canta a água a entornar-se sucessiva na costa fito o sol e uma bênção de paz serena, de meiguice despojada veste-me o tronco nu arrepia-me primeiro o nariz depois a espinha e a sensação de uno com o mundo acentua-se. Faz-me falta o toque. Finco os pés na areia e incomodo um seixo com a ponta dos dedos, sei de peles mais frias, bocas mais mudas. Não me falta mais nada. E não tenho nada para dar. Não haverá frutos em Junho.

O teu amor sabia-me a pouco
Quando acabou sabia-me a nada
Haverá ainda algum amor para dar
Haverá ainda vontade de amar?

Um tempo de retornar
Ilude-me em miragem fria
Não sei de onde vim
Sei para onde não quero voltar

Interlúdio Romântico

Hoje não há.

Fim d’hoje

Amanhã há mais.

Adenda

“Sonhar o impossível, concretizar o belo, amansar a esperança” Dr. Tempo, quando soube que ia para Dr. outra vez.

Adenda 2

“A tonelagem de um navio é visível quando se pesa a totalidade da equipagem e o desgaste do motor de vante” Zé Marinheiro, Português de Braga, aquando adquiria um canudo numa loja do Chinês, dealbar da centúria corrente.

Adenda 3

“Vou comer ideias
Pagas em Propina
Restaurar as meias
Jantar na Cantina

Cantar o bom fado
Em altiva voz
Um pouco tocado
Com as mãos no cós”

Popular, in “Cancioneiro das Beiras, Sobretudo das do Meio” Edições Palimpsesto, Sangalhos, 1981 ( ó ié )




segunda-feira, setembro 17, 2007

 





37º.
.
Porque a sucessão de imagens não é para mim automática. Porque acredito na realidade da fotografia e na realidade das suas intenções. Porque falhei e posso emendar. Porque gosto do meu quintal. Porque somar é acrescentar. Porque é poético. Porque me apetece.
.
Adenda
.
As fotos estão devidamente nomeadas nos posts 35º. a 35º. bis
.
Adenda 2
.
"O silêncio de um piano é sempre a preto-e-branco" Anónimo, Seixal, Algures na América Latina, Séc. XX
.
Adenda 3
.
"Bem, vamos embora que quem sabe faz a hora" Padre Zézinho ( ? ), Jesuíta e prolixo, 1582

sexta-feira, setembro 14, 2007

 
36º.

No meu caderno de anotar pensamentos anotei um pensamento ilegível. A leitura de pensamentos passa, para mim, por passar a limpo. Aliás, muito da minha vida tem sido passar a limpo. Higienizar. Fiquei sem o pensamento. É natural que o volte a pensar, mas nunca será o mesmo. Momentos diferentes implicam pensamentos distintos. Coordenadas mentais diversas.

A vida como lição de incidência, de grau, da inclinação ( romântica ? ). O degrau. Sempre o degrau. 39 degraus. Ascenseur pour l’échafaud. Malle et Miles. Por acaso é Coltrane que roda. E bem. Nunca vi o filme, o que é uma falha. Tenho medo que me desiluda.

No meu caderno de anotar pensamentos vou anotar letra redondinha para o futuro, obviamente já em letra redondinha. Assim, senhores, desfrutem do privilégio de me lerem corrigido e ampliado. Coltrane sopra, tonitruante e magnânimo. A vida é bela debaixo de jazz.

Tenho no passo
A circulação das ondas
A ondulação da espiga
A decorada lição de andar

Que o andar molda-se
Constrói-se e recria-se
A deslocação carrega emoção
Diferença e projecção

Andar é ir com mais
Andar é colorir o espaço
Animal das calçadas
A minha sombra

Interlúdio Romântico ( a M. )

Pode a besta dar lições à bela?

E quatro dias de nada
Nem hora nem espaço
Coordenada para mim
Só a medida do abraço
Desprovida de música
A valsa dos amantes
Desejo de mais
Crença no antes
Assim como a ponte
Com que enfeitam meu rio
Medida vai ser a pé
Rio corrido a pé
( Antes no Choupal
Também havia um vau,
E chegado ao outro lado
Escorria por nós uma
Espécie de vitoria
Liquida )
Mondego de noites negras
Coimbra desprovida de estrelas
Na margem que te relvaram
Correm meus olhos
Atrás de outra maneira de ver
Pode a besta dar lições à bela?
Ou a memória alicerce do sonho
Está tão pesada de desejo
Que esqueceu onde nasceu?

Fim D’hoje

Curto e breve, que há viagem. Ainda há um trem entre mim e a noite. O passo gigante deste cais à outra gare. A ponte móvel, o passadiço encarrilado entre milho e vinhas, cidades. Vou no som. E devo, com toda a probabilidade, ir para o som.

Adenda

“Ascenseur pour l’echfaud” Miles Davis, 1957 ( séc. XX )
“Crescent” John Coltrane, 1964 ( também séc. XX )

Adenda 2

“Gostava de ser tão surdo como Betovem, mas menos bruto” Mell O’Men Modernis, polémicista e pacifista afamado, circa 900.

Adenda 3

A minha bicicleta tem um pneu novo. Não anda mais depressa, mas é como fazer obras em casa; parece que não está nada no sítio.

sexta-feira, setembro 07, 2007

 

35º. Bis


A fotografia supra teria sido colocada entre "Pétala exactamente suspensa" e "Abstracto II". Não o foi, apenas por pura azelhice deste modesto bloguer. Por isso, senhores, os mil perdões do uso e o rubor da praxe.


Adenda


Abstracto I

 







35º.

De cima para baixo:


a) Composição de seixos verde e sol
b) Pétala exactamente suspensa
d) Abstracto II
e) Escada para cima
f) Escada para baixo

Adenda

“Um jardim do Homem é o seu pastel” Sousa Veloso, Séc. XX

Archives

fevereiro 2007   março 2007   abril 2007   maio 2007   junho 2007   julho 2007   agosto 2007   setembro 2007   outubro 2007   novembro 2007   dezembro 2007   janeiro 2008   fevereiro 2008   março 2008   abril 2008   maio 2008   setembro 2008   novembro 2008   dezembro 2008   fevereiro 2009   abril 2009   maio 2009   julho 2009   outubro 2009   janeiro 2010  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?