Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

 
11º.

A Morte do Estado

Não! A minha cara não é a minha cara. A minha cara não é. Eu, o bem intencionado, sei que a minha boa intenção é para o bem comum. O bem comum é meu. Eu, o puro de coração, sei que ganharei o céu. Assim, intenção não justifica acção.

Parar para contemplar é agir contra o devir inexorável do mundo. Mas sem contemplações não há convivência. Ceder é sempre a antecâmara da harmonia.

Mas na estrutura intima da cedência, há sempre a noção de que ela é positiva. Assim, ceder é um acto de orgulho. Todas as conexões começam como actos de vaidade. O altruísmo cristão é, na interpretação católica, que é a minha, um adiantamento destinado a amortizar o meu céu. Porque o céu católico e estruturado em condomínio. Fechado aos maus, aberto aos puros, visitável pelos bons.

Neste tempo de calvários e cruzes, que é colado à Primavera desabrida, procura-se associar o renascer do ciclo pagão à ressurreição. É tempo de, em concílio, remeterem a páscoa lá para o Outono. As procissões incomodam as andorinhas.

Dá-me ideia que não me entendem, por vezes, tenho a impressão que a língua em que aprendi a falar já não é a mesma. Hoje, um homem tem de carregar no discurso a atenção aos preconceitos alheios. Antigamente, o preconceito era pessoal. Agora é julgado na Praça. Não sou racista, mas sou etnocentrista; não sou católico, sou cristão. Não me abstenho, sou apolítico, e mais muito mais coisinhas destas.

A minha estória política resume-se a isto: aos 12 era anarquista, aos 16 era democrata-cristão, aos 20 desiludo-partidarista, e a partir daí vi-me confrontado com uma falta de referências políticas que me levou, não à apatia, mas à reflexão e procura de informação. Não sou, mas já fui, um activista, e sou, agora, outra vez Anarquista. No tempo que o estado faz de si bandeira de se gerir como um privado, para que quero eu o estado? Morra o estado. Já não serve para nada.

Cartilha de Auto-Crença

1. A igualdade económica existe
2. O desempate técnico sublima-se pela estética
3. Ser parecer estar e saber acabam em er, com as devidas excepções
4. A lógica é afectivamente uma batata
5. A minha cara não é minha

Cartilha da Esperança

1. Esperar é acreditar
2. Esperar é ter tempo para esperar
3. Esperar é desistir do tempo esperado
4. Esperar não é produzir
5. Esperar é inútil

Cartilha Maternal

1. O alfabeto em bruto é belo
2. aeiou
3. O que digo não me pinta
4. Eu sou o que fizeram de mim
5. A culpa é minha

Interlúdio Romântico

Como o homem dividido entre obrigação e dever
Estou entre mim e mim estarrecido
Como diante um abismo de consolar e sofrer
Amo e desejo em partes diferentes o mesmo objecto

Sonho a mulher-objecto que é hoje abjecta
E não entendo como posso ser igual ao que desprezo
igual a mim

O meu chauvinismo não é meu foi-me imposto
Pelas criadas, as mulheres a dias as donas de casa
O meu machismo vem de ver chegar da bola
Os frustados senhores para jantar às horas

Percebam de mim que sou cultura e hábito em partes desiguais
E como biografia não sirvo de mim mesmo
Os pormenores que acho que me doem
Posso dizer que sou mau, e acreditar-me

Bom sei que não sou, nem para mim
Acredito na mão na mão e no olhar doce
Mas ninguém acredita no meu
E isso magoa como uma prece esquecida

Terapia epistemológica

Ich bin eu sou I am je suis, nada que alguma vez tenha existido. Num verso destemido, na bravata, recuso, como heróico, usar gravata, e vou aos funerais com o terno fato negro dos factuais baptizados. A casamentos não vou, não me convidam. Acredito na igualdade absoluta entre pares. Sou um aristocrata. Não acredito nem em raça, nem em credo, nem em cor, nem em gênero porque não são conceitos lógicos, mas categorias absurdas criadas por uma Natureza génio louco. Para mim é tudo macho azul libertário e liberto. A minha sociedade ideal é a do caracol. As antenas podem ser parabólicas. Respeito as mulheres quando lhes falto ao respeito, porque fui assim ensinado, mas admito perfeitamente que elas faltem ao respeito a quem quiserem menos a mim. Sou livre porque não fumo entre os cigarros do costume. Tenho amigos pretos e de outras cores, eles é que não sabem. Sou feminista porque me exita a queima da lingerie. E chega.

Fim D'hoje

O desenho que precede hoje é um retrato automático, não um auto-retrato. Foi colocado para ser isso. Um desenho feito na máquina para não sair da máquina. Parece-se com a minha cara, mas não sou eu. Nem sequer é um desenho. Os textos de hoje são também textos automáticos. Procurei não dizer nada, preservando a forma. Não me reflectem, como o desenho. Mas são ambos meus produtos. Avariando pelos paradoxos da língua que se diz por máquinas que não se expressam autónomas, vou andar por uma linha menos clara, por aqui adiante. Je ne suis pas Franco-Belge.

Adenda

A verdade morde com dentes podres a fruta macia dos amanheceres
Sabes de mim o que lês de mim
Agora, acho que lês mal
Mais tarde...
.
Adenda 2

As máscaras do preconceito
Não são bem de Carnaval
São vestidas a preceito
Com a farda do normal

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

 

10º.



quinta-feira, fevereiro 22, 2007

 
9º.
.
Continuo desinspirado. Quando não se encontra o fio da escrita, não adianta. Nada me sabe, nada me apetece. Aceitem, senhores, o que se segue como rascunho, para ler, eventualmente sorrir, e depois deitar fora. Fica para depois a literatura dos mitos.
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Frederico Garcia
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Minha casa têm
Como pedra d’armas
Ai dois corações azuis
São de vidro coloridos
Ai dois corações azuis
.
Meu rio corre
Sinuoso pelo vale
Ai azul como ele corre
É d’agua fria tremida
Ai azul como ele corre
.
Na onda de um mar
Esquecido e por isso inútil
Pesco homérico os dias
Infindos e por isso mesmo
Pesco homérico os dias
.
En la cancion ocre de mi alma
Discorre la lengua castelhana
Que no hablo nin escribo
Por isso la crio
En funcion de la tristessa
De me ocultar mudo
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Porque Hoje Não Há Solos
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Eliot
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Quarta-feira de cinzas, releio Eliot: “Because I do not hope to turn again/ Because I do not hope / Because I do not hope to turn / Desiring this man’s gift, and that man’s scope / I no longer strive to strive towards such things / ( Why should the aged eagle stretch its wings ) / Why should I mourn / The vanished power of the usual reign?”; ou como verte Knopfli, O poder extinto do costumado Reino? Hoje, a cinza reina pelo dia, anuncia os quarenta dias mais magníficos do ano. A imperatriz Primavera ( ou Spring ou fonte ou mola ) instala-se na sua usual leveza. Estou, sei lá, very british.
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Coltrane V. Ellington
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Chove desalmadamente e dolentemente ouço Coltrane e Ellington num diálogo tão absolutamente que nem requer adjectivo. Na bateria pontua Woodyard, que é um nome belíssimo, e me põe a pensar se pátio se escreve assim, se será um pátio-floresta ou uma mata longa, projectada.
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Lorca
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Quarta-feira de cinzas, hoje comecei a lamber Lorca de leve por causa de uma amiga, as coisas que ela me faz. Tenho de investir no espanhol, por causa das etiquetas. Há listas de ingredientes absolutamente intraduzíveis. Que me dan miedo, los tranggénicox. Ai, hablar com ella…
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Porquê ressuscitar? Porque não reparaisar? A mata do Eden perpetuamente vazia é de uma parvoíce cósmica. Ir para o céu? Eu quero é a terra negra, a erva verde do meu pai Adão. E que me desculpes, Eba, redá-me la costilla. Quê la necessito.
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Sexo e Vinho
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Estou com uma ressaca babilónica, antes da intervenção. Graças a Deus que nunca cedi à sodomia, senão a tragédia era tão extraordinária que não chegariam adjectivos, por subjectivos que fossem. Um plano inclinado instalou-se nos meus olhos, e uma espiral de enjoo e sede remete-me para um canto à boxeur esmurrado. Vai-me valendo a jazada, colheita de 62. Essa é inócua para as tripas, e espantosamente sem adjectivo.
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Belgais
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Viro-me para Mozart pelas mãos da Maria João ( Pires ), uma Senhora que nunca precisou de chávena para ter o chá completo. K.283, sonata para piano nº. 4, Mi Bemol Maior. Destilados austríacos, seguramente eficazes no combate à azia. E aqui, a culinária é portuguesa, e de uma pureza de execução que deviam matar gente assim. Mas depois morriam contentes, e não havia redenção para os pecados. Religion is a bitch.
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Pai Nosso
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Jesus prega-se daqui a quarenta dias, via-se nos billboards de Jerusalém, enquanto as oliveiras já então centenárias se mediam contra o céu anil que ainda não era a reforma dos crentes. Consegue alguém perceber a parvoíce de matar um filho só porque a mãe tinha dormido com um arcanjo e um carpinteiro? E ao que dizem, a do carpinteiro é boato? Religion is a bitch.
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Porque é Suposto Ser Longo
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Na minha maneira mineira de prospectar palavras, encontro, já veterano, algumas que são sagradas. Mais fácil o ser Indiano. Sagradas as vacas, chega. A palavra de Deus, escolhida a dedo para caber em quatro Evangelhos; O Om mântrico e o Jeová indizível. E as outras todas que não conheço. Não falando dos versos deste, das prosas daquele. A ladradela do caudilho, os floreados do fürer, as tarentelas do duce, a murmurada reza do men of holly comba. Um sarilho.
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Irmãs do rito, mas não do mito? A fala primeira é descritiva, necessariamente útil. Doí. Gozo. Comer. Beber. Quatro evangelhos, só aqui. E cria-se uma estória já: Porque me doía, quis prazer, comi e bebi. E enquanto esta estória se conta, surge, porque mímica é primeiramente gesto, o ritual de a contar. No pequeno passo desse Homem ( seria já um Homem? ) estão todos os passos, e por cima o da Lua, o faiscante holofote do primeiro palco.
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( Why should the aged eagle stretch its wings )? The Eagle, my friend, has landed.
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Parva
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Parece parva a insistência no escrever como se escrever fosse importante
Quando eu sei todas as linhas de todos os homens ardidas já
Pelo sol que sucumbe na sua fogueira finita
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Há na vacuidade da letra a arrogância dos Grandes
Há na insistência de uma memória fixa a simplicidade dos Crentes
No dia em que deixarmos de acreditar no lume
Morrerão de frio as letras mortas
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Até lá, Velha Águia, que nunca te cansem as asas
Nem o sol assassino das manhãs
Até lá, Assassinado, teme a memória do tricórnio
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Eu vou burilando os meus sonetos
Se me saírem sonetos demarcados
Que por vezes a intenção e essa
Mas os resultados colidem nos talentos
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Região pessoal, colheita minha
Parras d'Adão e anatomia
Ai Deus, inda não foste
Já nem tenho Ara, a fome foi-se
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Fim D'hoje
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Acabar o quê? Isto é rascunho, é suposto ser tudo começo. Mas vai para a rede, sem rede, por uma obediência ao código transtornado de em rede não haver crítica. E não há crítica, porque não foram criadas as credibilidades que a sustentam. Bom mau razoável? E as credenciais? Estamos a retira-las de um saber que não foi criado aqui. A rede foi colonizada, pelo menos nos ramos que conheço. É uma enorme cidade africana, onde uma pequena feitoria dita e suga. Isto é o Daomê. Apetece-me, só ligeiramente, uma guerra colonial. E aqui vales tu, Chico. Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.
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Adenda
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Mendes
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Os poetas coroavam-se uns aos outros. Aceito a coroa, porque tu aceitaste a que te dei. Mais que isso, é demais.
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Adenda 2
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Agradecia, a algum leitor benevolente, possuidor de uma chave Castelhana, que me pusesse, à laia de comment, uma versão do que escrevi na última estrofe do Federico Garcia, com o fim único de a substituir. A co-autoria é garantida, os louros nulos.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

 
8º.

Hoje não me apetece bater em ninguém. Azar. Ando com a energia em alta, devem ser os cristais de sal que a brisa me traz. Necessito de um escape. Esc.

A informática é linda. Numa só tecla e vromm. Estou fora. É um universo pequenino, o teclado. E dá para muita coisa. Formal e descontrolado, é o que me dá jeito. Ou gesto. Never mind.

Ballads, Coltrane e companhia. São quatro da manhã e o sono não vem. Well, I’m too youg to go stedy. Ou demasiado velho para isto. Isto o quê? Never mind.

Tinker

A Toupeira é um belo Livro

Taylor

Para improvisar um verso
Serve
Memorizar a bestialidade do toque
E depois singrar a solidão
Orgulho, orgulho

Peço a uma prosa ausente
Que me invada levemente
Ai praias da Normandia
Quero meus os cornos do Viking

Serve
Taylor made

Soldier

Não gosto deles
E eles não gostam de mim
A tropa é sinistra quando sai sem cravo

Spy

Nas dobras da gabardine
Guarda um segredo fatal
Na há vento que o incline
Nem precipício moral

Quadrado, O

A Alemanha de Leste faz-me falta
Pelas nadadoras
Valquírias, eu que odeio Wagner
Eram azuis os fatos
DDR
E ameaçadores
Os braços das brutas
Para um peito meu ainda novo

Desde aí que gosto das mulheres grandes
Mas elas não gostam de mim
Azar

A Droga


Tenho um sono à minha espera no derreter morno da cama. Quando era drogadito, fumava um charro e dormia de olhos abertos pelas noites cristalinas. A minha vida era uma imensa insónia, e os sonhos eram mesmo coisas palpáveis. A droga é boa, o que toda a gente sabe. Mas faz mal. Deteriora a qualidade onírica. O sonho deve ser inconcreto.

Hoje dei folga ao Carnaval. Devem ter dado pela minha falta, mas sabem amanhã. E têm esperanças. Orgulho, orgulho.

Interlúdio Romântico

Passado

Na madrugada acorda-me o teu cheiro
Vem do passado; já não dormes a meu lado
Na madrugada és fantasma; assombrosa, ainda

Tem o meu nariz a matriz do teu odor
O coração a tua forma, perdido amor
Bate ainda para ti e porque sim
Porque tem de bater; não estou ainda morto

Já não durmo a teu lado; já nem durmo
Desperta-me o nariz; outros sentidos
Acordam após, em sucessivas vagas
Maré, este desejo; onda na praia após onda na praia

Dói-me a tua ausência aos sentidos
E sem sentido é tua ausência; pois estou triste
Que partiste e levaste-me contigo
E eu não estou assim aqui; eu estou contigo

Este que acordou já não sou eu
Eu era tudo o que levaste; o teu cheiro, o teu cabelo
Eu era só o amor que por ti tinha

Vénia

Como fiel de uma religião bizarra, que nas suas teias legais obriga a peregrinações diárias, venho aqui; obrigado por fé em algo maior, posto em orações ( gramaticais ). Hábito, blogar? Vicio?

Este meio é um misto de catolicismo e de psiquismo infanto-juvenil. Eu explico: retira ao estar católico a confissão; entra-se, ajoelha-se por detrás ( pela frente ) de uma redinha, desbobina-se o rol pecaminoso ( post ), é-se perdoado com uma multa de pais-nossos e ave marias ( coment ). É de raiz infanto-juvenil porque é um local só nosso onde só colocamos o que nos apetece; é um princípio de egoísmo e de fruição de um auto-espaço, fechado e controlável; o chamado síndrome do pequeno diário.

Elaborando: Espaço próprio, único e intransmissível; no entanto aberto à crítica, ao comentário, ao aplauso, mas de pares; há nos bloguers indícios de mentalidade aristocrática; democratas, mas bem falantes, bem pensantes, ilustrados e cosmopolitas. No rol me incluo. Então se não aprecio a companhia, que faço aqui? Nos meus princípios, treinaram-me no respeito à autoridade, á vontade maior. E se concluo isto religião, devo a devida vénia à divindade. Vénia.

Desinspirado

Vou dormir. Amanhã pego nisto outra vez. Vem aí a vaga de sono. Hoje vi o mar ainda de manhã, a onda delicadamente redonda do Furadouro. Bela Praia Assassinada. O truque é olhar apenas para o mar, sem nunca voltar os olhos para o susto. Quem te viu toda de casinhas de um só piso. E a Avenida, onde se circulava em círculos, porque era bem, e depois parava-se nas esplanadas para o café, e olhava-se, sempre em frente e nunca de forma obvia, para os circulantes, depois circulava-se outra vez, num carrossel pontuado pelos bancos que eram de madeira e tinham uma tábua branca e outra amarela em listras de zebra com problemas na formatação da cor. Só que ainda não havia formatação. E o outro PC era ainda ilegal.

Fim D’hoje

Grito

Eu sou o que prefere o silêncio ao grito
A caneta à espada, a flor ao fruto
Eu sou do ar mas o meu corpo é água
Eu sou do vento mas não parto com ele

Eu fico sempre á espera de algo mais
De mais ar, de mais luz, de mais vida
Mas aceito-os limitados e estreitos
Para mim eles são e basta

O que me define são as minhas fronteiras
Não o que contenho, mas o que me contém
O que me guia são estrelas, mas eu não vou
Eu fico sempre aqui á espera de algo mais
.
Adenda

Na minha cronologia brusca moram pecados, cometidos em várias capitais
No punho erguido e no pregão, despontam as cores novas, timidamente
Já me voam as andorinhas transtornando o meu peito migrador
Ai vem, vem ter comigo mais calor

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

 
7º.

Este post é sobre o silêncio.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

 
6º.


A Liberdade é uma Senhora de muitas caras. Ampla, como todas as Senhoras de antigamente. Por vezes frívola, outras severa, sempre desejada, muitas vezes alcançada e depois, num arranco de despeito, abandonada por outras cadeias mais doces. Porque a Liberdade prende. Faz de nós seus servos, seus lacaios. Já morreu muita gente em nome dela.

Há quem confunda Liberdade com capacidade de escolha. Não é. Liberdade é escolha total. Há quem confunda Liberdade com Direito. Não é. Se fosse, não tinha Leis ferozes a defende-la. Liberdade é recusar em absoluto a lição do passado e a perspectiva de um futuro. Por isso, senhores, cuidado com o que desejam, pois podem consegui-lo.

Ao Prisioneiro de Peniche

O verso livre

O verso livre
É detestado em todas as cadeias
Nas cadeias não há verso livre
E os prisioneiros de consciência
Só escrevem prosas perras
Com lápis rombos de saudade do Céu

Pela janela quadriculada
Já vi nascer o meu número de dias
Nunca escrevi nada
Não me ocorreu que pudesse escrever

O verso livre estava nessa altura
Preso aos Sonetos de Antero
E uma ara nua e fria
E um pórtico partido
E um Oceano rodeava-me invisível e imenso

Depois outras cadeias menos brandas
Fecharam sobre mim a porta férrea
Aprendi a Liberdade do cerco
E que o desejo de partir se veste
Com arame farpado

O verso livre
É detestado em todas as gaiolas
E é por isso que os canários cantam

Une Liberté Française

A Liberdade é, com o seu barrete frísio e o seu seio nu um Delacroix
A Liberdade é, com os seus bustos múltiplos o busto da Bardot
A Liberdade é, com o seu pavimento a praia por baixo
A Liberdade é, com a pichagem de Maio o grito pintado

É proibido proibir La Liberté
É proibido proibir La Esperançe
Vamos, Infantaria da Pátria, renegar a fronteira
Há uma Liberdade recolhida à espera do sol

Método Cientifico

Dissecando

Tese: A Liberdade é Boa. Antítese: A Liberdade é Má. Hipótese: Do uso da Liberdade retira-se a sua caracterização moral. Experiência: Eu, no uso pleno das minhas faculdades, sou Livre. Aqui reparo que a minha hipótese é fascista. Quando se cola um rótulo na Liberdade, neste caso, quanto se mede a Liberdade face à Moral, estamos a submeter a Liberdade, um absoluto, à adjectivação. A minha hipótese é fascista, porque admito que Liberdade e Moral se completam, ou seja, nego o Absoluto Libertário; quando o faço, afirmo-me colectivista, ainda que moralmente restringido. Colectivistas com Moral, só conheço os fascistas. Vou mudar de hipótese.

Reflectindo, o que estava errado era a Tese e a Antítese: Aqui não cabe, porque são pressupostos automáticos. A tese terá de ser: A Liberdade É. A Antítese: A Liberdade não É. Hipótese: A Liberdade Existe. Experiência: Eu, no pleno uso das minhas faculdades, sou Livre. Não, porque não sou eu que determino se estou ou não, em pleno uso do que quer que seja. É o Estado, através da Lei. Assim, ou prescindo de viver num Estado de Direito, ou prescindo da Liberdade. Conclusão: A Liberdade existe em estado selvagem, e nos Estados selvagens.

Elaborando

Não sou Livre. Enquanto Cidadão, enquanto Homem, enquanto Ser que Pensa e se Pensa. Tenho acesso à decisão política, tenho opção sobre o caminho que levo, mas a colisão entre Direito, Lei, Obrigação, Dever, História e, porque não, Destino, leva-me a renegar a Liberdade em troca da Convivência. Liberdade é igual a Solidão. Não a solidão fadista e tristonha, mas a que advém de um exercício de recusa total de opções. Só é livre o que é livre de todas as peias; e esse, exclui-se do Humano. Talvez numa transcendência angelical, ou numa embriaguez demoníaca, mas num plano de existência díspar.

Fim D'hoje

Quando nos olhos do Livre
Se reflecte a luz branca
Do amanhã esperado

Quando nas mãos cansadas
Se rasga d'uso a carta dos Direitos
Há no respirar das coisas
A necessidade nova de erguer

Já não o feroz castelo
Nem fosso nem muralha

Mas o mar das rosas do sangue dos mártires
A estrada plana do melhor futuro

Adenda

“A minha Liberdade acaba onde começa a Liberdade do outro”

Anónimo, Séc. XX, da parte da tarde

Adenda 2

Mental Note: repassar, com ligeireza, Nietzsche

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

 
5º.

Intróito

“Você não tem medo de mim, você não tem medo de mim
Você tem medo é do amor, que você guarda para mim.
Você não tem medo de mim, você não tem medo de mim
Você tem medo é de você, você tem medo de querer
Amar”

( Via Adriana )

Perde-se quando se perde a possibilidade. Enquanto sobrevive a esperança, ninguém assume derrotas, faltas, necessidades. Aqui, no olho do furacão, onde a paz subsiste porque as paredes de chuva e morte gostam como Bach do contraponto, olho o meu futuro circular e sei que não terei futuro. E, estranhamente, sei-me em paz. Perdi a possibilidade. E não tenho fuga. Mas ainda tenho Bach.

Ena

Chove desalmadamente é Santo António a cinza do dia cobre o som de Bach. Sai-me a linha como de pesca de ideias assim estou sem tema sem cena sem nada que não seja a Suite triste que um velho recusou gravar até ser impossível adiar. Gravou-a numa Igreja Francesa como único lugar possível para um Russo gravar este Alemão. Há uma Europa de Música que é tão indesmentível como a consistência húmida deste fim de dia. Johann Sebastian Bach; Cello Suite Nr. 6 BWV 1012 D-dur; Mstilav Rostropovich. Ena.

Consequência lógica de fazer anos e dar de prenda por meu pai a mim o melhor som. O velho ficou feliz quando lhe mostrei os discos. Eu também. Há alturas que sofro de infantilismo. Mas são boas alturas, usualmente. Como esta de temperar a chuva esquisita com o som raro de um passado que tem tanto a ver connosco que impressiona. A música é um óculo virado ao ido. E trá-lo para perto; do ouvido e do peito.

Vira agora o disco; o de cima, agora a Nr. 2 BWV 1008 d-moll. Consequência da chuva, este tornar o D em d e o –dur em –moll. Devia ter prestado atenção quando me tentaram ensinar música. Não sei se Sto. António tinha ouvido, mas se tivesse, em Coimbra a olhar os olivais ou em Pádua a conversar com os peixes, assobiaria uma marchinha quando se sentisse feliz. Como em dias como este, em que Mão Santa faz chover um maná liquido sobre o Som dos Séculos. Ena.

Seixo

Passam gaivotas em bando sobre mim como horas de ponta. O mar às riscas azuis e brancas bate seixos em cordão. Colar de mar. Vento exactamente de Norte a alta e constante velocidade. Brilha um inclemente sol.12 de Outubro na praia. Viva o aquecimento global.

Ouvidos forrados a Bach. Suficiente ainda assim para ouvir a onda. Olhos suficientemente escuros para aceitar o sol. Meti um quilo de seixos na mochila, talvez mais. Um deles é um pedaço de quartzo quase rectangular com 15 cm de comprido. Pesado e belo ainda mais quando o vi. A quimera do seixo é o consolo do pobre. Pepitas de nada sal e pancadas, tirar pedras do mar é quebrar o ciclo. Devia ser proibido, qualquer dia não há areia.

O vento impede-me de ler e acender os constantes cigarros. Tinha ideias de duna mas é longe e tenho preguiça. Deitei-me na corcunda da maré alta e fiz uma poltrona diáfana de areia e toalha. Este vento mata-me.

O sindicato foi amigo e marcou a greve num dia de sonho. Os amanhãs que cantam serão assim? A Revolução passa forçosamente pelo grito do mar. Há um couraçado de nome bizarro nos oceanos da revolta. Há um filme de um realismo russo sobre o tombadilho. Há um terrível Ivan que servia de imagem a uns sete mares dos Sétima Legião. As ondas consequentes afirmam na sua gramática tonal a ponderância da insistência. Teorema provado a seixo com sabores a sal.

Interlúdio Romântico

Dúvida
Se esta ponte impossível chegasse ao destino
Se este dia infindo enfim terminasse
Se fosse agora o já que já não espero
Dúvida
Sempre o enorme Se da dúvida
Será finita a infinita espera
Durará enquanto dure
Não me falta nada
Mas tenho excesso de ausências
Estou farto de ser
Não sei bem o quê
Mas não quero nada
Os sonhos ainda me perseguem
Nesta montaria vaga
Não me sei lebre ou cão
Não me sei
Talvez queira algo, então
Um nome próprio, decente
Uma placa que indique caminho
Uma direcção para as minhas cartas
Talvez seja eu quem persegue os sonhos
Como voos de ave, como brisas cálidas
Mas não quero chegar-lhes
Preso no labirinto, meu fio é curto
Não vou chegar ao fim da história
Não vou saber a cara ao monstro
Sempre o Se enorme da dúvida
Sempre o sonhar novas perguntas
E sempre o não querer nada senão sonhos
Dúvida
Ou a não certeza de estar certo
Ou o não saber errar por não saber tentar
Sonhar
Como única rota para o impossível
Contemplo a ponte sobre o algo assim
A curva qu’ela descreve sobre o algo em mim
E sonho
Não como quem espera, mas como quem sonha
Não como quem faz, mas como quem tenta
Como quem erra
No fim persistirá, não tenho dúvidas
A dúvida
Os meus sonhos d’ontem já não são
Perenes na sua inconsistência
E o erro permanecerá a base
O alicerce dos de amanhã
Metrónomo rápido quando não é lento
Bate o coração os porquês, os sins
Os nãos, os assins
Num ritmo ditado pela voz ausente
Pela regra não escrita
Pelo sonho
Pela dúvida
Bate sinónimo d’ incerteza
E pela certeza de ter de bater
Bate assim, porque sim
E já não duvido que irá parar
Como a ponte que não tem destino
Será meu destino parar de sonhar
Sigo então
Dúvida e sonho
E já tenho nomes próprios, decentes
Lavados e enxutos prontos a vestir
Encolhi a dúvida para o meu tamanho
Alarguei os sonhos para o infinito
Nunca mais duvidarei a lebre
E nunca mais duvidarei o cão
A montaria nunca passou de vaga
Passageira
Dúvida
A palavra certa no momento errado
O verso acabado qu’ainda nos ressoa
A vaga na areia como fim de tudo
Ou o erro enfim como um nome novo

Interlúdio Romântico 2


Na pausa que divide o passo
No intervalo ínfimo que separa os átomos
No instante imperceptível que rompe os instantes
No momento impossível que separa o raio e eu vê-lo
Estás tu
Nos interstícios, nas fissuras, nas pausas
Estás sempre tu
És a união de todas as dimensões
O fulcro de todas as alavancas
O centro de todos os círculos
O fim de todos os meios
A razão de todos os argumentos
És
Sem adjectivos nem conclusões
Apenas És

Realidade

Encarando objectivamente a realidade, perco sentidos. A fantasia, como motor, não se compadece com defeitos de chassi e buracos na estrada. Rola à velocidade do imaginar possível. Estou triste. E nem é por mim. É pelo caminho encerrado e a porta trancada à beleza do impossível. Os sonhos morrem, todas as noites me morrem. Mas os que morrem em frente dos meus olhos abertos e atentos são doridos. Olha, vem comigo fazer o funeral solene, cremar esperança em fogueiras de sonho e mel, e tossir, e dizer que a lágrima no canto do olho é só fumo. Olha, vamos à procissão macabra e em mais fumo de archotes e velas sonhar, ainda, ressurreições. E com um pouco da Fé que acima repeti, esperar amanhã como se esperam barcos, ou que a chuva passe. Olha, Adeus propositadamente maiúsculo. Olha, já não estou.

Adeus D'hoje

Sei que me falta na mão melancólica
O arranhar suave de tu estares
Lisa, ó parede lisa de meus quadros
Vou eventualmente ser outro
Nos braços de um futuro

O medo que tu tens de ti
Ò passada esperança
Pensaste nos meus olhos
A culpa é toda tua
Ò pesada esperança

Eu, leve como um bafo de Inverno
Caminho sobre ti como nas folhas dos plátanos
O ruído de ti sob os meus pés
Não me soa já a coisas boas
Perdi-te como a um passo leve

Adenda

Não creias nos outros espelho. Crê em ti vidro, gume e vontade. Abre uma mão à esperança, e com a outra agarra-te ao possível. E, de vez em quando, salta, salta apenas para o vazio na fé que algo te segure. Beijo aqui um vento de amanhã e glória, e sei que vou ouvir a canção da ceifa. Mas sei que não será contigo. Perdi-te a Fé.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

 
4º.

Perder o juízo é mais ou menos engraçado. Nunca acreditem que um doido não tem consciência; é mentira; simplesmente parte de pressupostos diferentes. O mundo acha que o seu peso colectivo é razão bastante. O doido acha que tendo perdido a razão, não necessita dela para raciocinar. Porque o doido pensa, vejam lá. Em nada que mereça atenção, mas não desligou. Mudou de grau. Ou de degrau. Restas saber de vê mais, se menos. Eu via menos quando andava doido. Mas acredito que haja quem veja mais.
.
A Última Verdade Que Permanece Erguida

Abraçado à loucura dancei, há tempos, uma dança de salão. Resta-me constante a sua mão no meu ombro, a sua promessa de ficar, de ser eu quando eu não me quisesse sadio. Hoje de entre portas felizmente cerradas chegam-me ecos dessas voltas. Sereias de exaltado, anzol libertário. Não tenciono ir, mas na história das vontades pesam mais as dóceis que as férreas. Tirano de mim, não me trará a megalomania desejos de voar entre conceitos, de ver de novo a realidade minha, o fuso das horas meu?
.
É boa a loucura, doce, molda-se ao desejo e cumpre-o. Pena tenho de a saber tão escassa. Se ela em voto solene dissesse: Até que a morte nos separe; eu ia. Agora assim, a prestações, parece-me usurário o juro, faca troca, pobre escolha. Domarei de mim o Palomino rei da pradaria dourado; trotarei o estreito caminho do normal. Trago nos olhos fechados muita coisa que não vi falha-me no banco de dados tanto que sei que li.

A normalidade corre como um rio à minha beira e essa distância ínfima de eu ao rio é suficiente para sentir-me seco; a beleza do Padrão, do correcto, do isto é isto e nada mais; contra a beleza do grito megalómano, do eu dizer Sou Eu e nada mais quero, de saber o coração meu igual ao mundo e transbordá-lo.

Pois, eu podia-vos falar de não ser igual, mas seria assim igual a todos os diferentes; e nas minhas laboriosas mãos podia correr as contas de um rosário de outras e diversas pedras; mas a minha vida tem sido buscar afinidades, louvar afinações. Quando finalmente fui eu que desafinei, amei o erro que me davam e ele nunca mais me largou. Sim, este desaparafusado amante de simetrias sabe-se hoje ausente dos antigos amores; e carrega uma cruz de dissonância e não sabe a língua das notas para a pôr em música.

Um dia a minha cabeça encheu-se de vozes e não eram minhas; e uma enxurrada de compreensão do mundo e das coisas iluminou-me, como antigamente iluminava os iluminados. Como num órgão vetusto pés e mãos tocaram uma melodia estranha e os registos, e os pedais, o teclado, eram meus e eu. Depois pegaram em mim e fecharam-me e deram-me drogas e conselhos, que conceitos achavam que eu tinha. Mas já não tinha. Perdi talvez o respeito à minha sanidade, e se bem que seja só louco sazonal o poder do desvario ainda é forte em mim. A minha inteligência por uma vez não foi suficiente; desde aí sei que nunca será suficiente.

E daí, pergunto agora à única voz que ainda me resta: Consciência, porque me roubaste o inconsciente? Sanidade, porque me apresentas-te à loucura, quando sabias que eu a amaria muito mais que a ti? E olho para as lições que me deram, e sei certo e errado, bom e mau; mas também sei que já não gosto de escolher entre degraus. A minha alma é agora uma escada barroca que sobe e desce enfeitada a nada; a minha vontade, que eu julgava lúcida, jaz traída à mercê de mim mesmo. Amo a loucura, mas sei que não devia, mas sei que louco nem me resta a noção de dívida.

Os mecanismos da loucura são os mesmos do génio, disse alguém que não recordo; no meu cérebro disfuncional, que bastas vezes acusam de inteligente, é talvez essa a última verdade que permanece erguida.

Intrelúdio Romântico

Entroncamento
.
Moradores na mesma casa os corações desavindos
Voam pela mesma asa como pássaros perdidos
Vem já lá a Primavera de cores novas vai vestindo
O cadáver deste Inverno que fenece devagar
.
Frio, muito frio guardo ainda em minhas mãos
E os olhos, esses, aquecem demasiadamente lentos
Vi hoje a borboleta primeira, ontem flores na japoneira
Amanhã quem sabe novos rebentos acordem, ternos
.
Só tu não mudas, amor, só tu não brotas
Verde de esperanças novas como água de fontes
E me imundas como rio novo, como riso novo
Como vinho em taça cristalina e breve brinde
.
Eu vou deixar vir a mim a Primavera, amor
Fica-te lá tu pelo teu Inverno defunto
Que eu quero amanhãs mais quentes, sois mais brilhantes
Que eu quero a relva, também verde, a crescer sob meus pés
.
Sonhei, tu sabes, em nós dois em nó atados
Sabes, morreu-me o sonho com a flor da japoneira
Companheiro perene deste Inverno já cadáver
Vou vela-los vagarosamente com círios brandos
.
Talvez a luz mais borboletas encandeie
Talvez tu franqueies a passo tímido o limiar da estação
Estarei aqui a receber-te como a irmã passageira
Descida do trem da esperança ao cais futuro
.
Não esperes é mais de mim que do Inverno que deixares
Que lá morto estás meu sonho
Ficaste-te pelo frio demasiado tempo
Agora já só me aqueço ao sol, às novas cores
.
Adeus te direi à chegada deste entroncamento
Que mais não têm que duas aves desavindas
Uma buscando o Sul mais brando, outra fugindo o Norte agreste
Voando ainda assim as diferentes direcções
.
Desencontrei-me de ti por minha culpa
Não fui quem queria ser por falha minha
Adeus então nesta chegada que o atraso
Não foi teu, não foi meu, foi por acaso

Fim D’hoje

O Normal

O normal é o aparente. Nada de novo na frente da Filosofia. O transcendente existe porque é mencionável. Nada de novo na frente poética. Nada é tão ínfimo que não seja representável, nem tão imenso que não seja redutível. Matemática na mesma. A Física é o meu buraco negro. Apenas sei que não sou simultâneo à imagem que projecto. E essa discrepância é normal.

Será então o aparente inexistente. Estabelecida a invisibilidade da representação autêntica do eu, não podemos dizer que o aparente é o normal. A aparência, é, essencialmente, imaterial, como tal não sujeita à catalogação lógica. O normal é, então, não aparente. Aparentemente.

Adenda

2/3

A minha geração foi roubada dos clássicos. Tiraram-nos 2/3 da nossa Cultura. E nós achamos que éramos Modernos. Agora andamos a tentar pôr-nos a par. É tarde para mim. Envelheci mais depressa sem Eles. Perguntei muitas perguntas já perguntadas, respondi o mesmo que alguns, respondi diferente de outros. Não fui é nunca Moderno. Moderno é o que segue Clássico. E a mim roubaram-me os Clássicos. Nunca serei Moderno.

Serei talvez Pós-moderno. A ideia agrada-me. É snob qb. Têm a qualidade culinária que torna uma palavra desejável. Pelo menos o meu apetite é Pós-moderno. Eu explico: é numa primeira fase analítico, numa segunda fase sintético; primeiro descodifica as referências, depois constrói baseado nelas: Não mais a criação é vista como inspiração, senão como participação. Numa época; num movimento; numa facção.

Os Clássicos inspiravam-se. Havia mais ar, mais espaço. Tinham Tempo. Os Modernos inspiravam-se nos Clássicos. Menos ar, espaço e Tempo. Mais saber. Menos inspiração? Os Pós-modernos descodificam. Nunca serei Pós-moderno.

Eu não descodifico. Não é necessário. Basta saber todas as cifras, e todas as linguagens serão legíveis. O meu Universo é o do código binário. Não há mistérios no meu Universo. Qualquer um lê zeros e uns. No meu Universo não há Analfabetos.

A minha geração foi roubada dos Clássicos. Não somos Modernos. Não queremos ser Pós-modernos. Seremos os Clássicos sem ar, Tempo e espaço. Vamo-nos inspirar em nós mesmos; criar a Nova República, desta vez sem cavernas, habitar Utopias do tamanho de continentes emersos. Pensar sem ter espaço para existir, procurar um Tempo perdido pelos que nos roubaram dos Clássicos. Que imensa perda de Tempo. 2/3 de perda de Tempo. Nunca serei Pós-moderno.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

 
3º.

Parker toca em background rumo à meia-noite. O frio nas mãos impede o discurso de fluir. A lentidão dos dedos é contagiante e não consigo elaborar. Não tenho tema. Ando numa arqueologia de versos, e não encontro os meus. Ser culto é uma maçada; tem-se demasiada coisa na cabeça. Até onde vai a vontade de aprender? Vai até ao total das horas. Depois cessa porque fica sem recursos, destituída. Nada se faz sem a hora. A hora destituída de aprender.

Hoje estou de um pedantismo que até a mim dá seca, comprei um casaco novo. Foi muito elogiado.

Parker morreu novo por ser velho em heroína por ser preto e por ser pobre. Gostaria certamente do meu casaco novo. Vestia-se bem, tinha charme e sucesso com as meninas. Bom músico.

Dedica-te á música

No ríspido metralhar da tecla
Surge rápida a formação do verso
Dizer secundário no instante
Preciso de forjar a letra

Mensagem é suposto ter
Mensagem mas eu não
Quero ter mensagem
Quero somar sons
Dedica-te á música

Tolerante é aquela que acredita em margens.

S's & R's

Sublinha a silaba
Um desejo sonoro
De partilhar vibrando
Uma palheta de ar

Keyboard

Quero o soundbyte nético
Palavras percutidas
Batidas até sem som

Quero este keyboard tambor
De tom de selva
De estertor

Quero ruído vivido
Desmerecido de silêncio
Quero bombo
Rombo
Guincho desmembrado
Insonoro de dor auricular

Surdez canora
Sonora sem penas
Apenas
Uivo turvo
Construção notal

Tabacaria, Adriana e Parker

Sei das voltas do mundo que são pequenas; sei-me estreito. Ao estender o braço, muro. Nos pés chão escasso. Por cima azul, vasto, mas inacessível. Faço crescer as minhas plantas ao céu, raízes perfurando o solo. E olho os pássaros, bebo asas. Pequenas formas de anarquia. Projecto a voz e não recebendo eco, sei-a a pousar distâncias que os olhos não galgam. Penso, penso muito. Elaboro no meu âmago complicadas tramas, que às vezes me ocupam horas, algumas dias, em capítulos de novela amanhã há mais. E volto a pensar; escrevo uns versos ( escrevo uns versos, depois rasgo, cantava Adriana ) não os rasgo. Nunca rasgo versos, a não ser que já os tenha copiados; tenho muitos versos; não muitos bons; aposto, definitivamente, na quantidade. E escrevo estes versos para provar que sou sublime ( Tabacaria ). Ouvindo Parker a solar, foge-me a escrita para o improviso jazistico. Mil perdões. Sei que o meio requer concisão. Fim.

Fim D’hoje

Pedante

Houve tempos em que o homem se media pelo tamanho da pança. Maior melhor. Depois veio a eloquência, e estragou tudo. Agora armazenamos ditos e feitos e contrafeitos e defeitos, e biografamos uma página a que chamamos cultura. De massas, para os abastados; popular, para os menos; horto-frutícola, para os afortunados possuidores de um poucochinho de terra. Que já não se fabrica. O primeiro filme é uma saída de fábrica. Lúmieres, queriam ser vocês Barões Proprietários de Operários?

Há no acumular de saber um carácter socrático. Quanto mais sabemos, mais gozo nos dá dizermos que nada sabemos. E o pendão do exército do brilho intelectual, em vez de sombrear os rostos que o empunham com um véu de modéstia, fá-los brilhar de uma arrogância subtil. Como outrora os soldados de Cristo, vale tanto de bandeira como de espada. É preciso apenas que no fim a pilha de mortos do lado de lá seja maior que a pilha de mortos do lado de cá. Andamos, cá para mim, a jogar futebol com a cabeça de mortos, e já nem contamos os golos, só as faltas.

Adenda

Luz Mais Larga

Procuro o puro peso plástico
A atmosfera serena do verso
.
Armação
.
Arquitectura futura sem traves
Nem entraves
.
Só vida luz som
Cristalino como retinas globulares
Oculares como testemunho de fé
.
Avé, som!
Avé, sentido!
.
Sentidos únicos
Sob os olhos de uma luz mais larga

terça-feira, fevereiro 06, 2007

 
2º.

Onde ir, se me garanto, com o peso sólido de acreditar em mim, que não há caminho? Uma deslealdade ao estabelecido foi, lentamente, corrompendo a minha crença no Ideal, e um esvaziado eu quer praia e sol, mas já não olha a onda. A Revolução, como imposição do novo, é inevitável. Pegar em armas obsceno. Matar por aquilo que acredito é não acreditar em nada do que acredito. Pego um cravo branco. Mato uma saudade. E faço versos porque acredito, ainda, no poder redentor da palavra. A cantiga é uma arma? É. Mas não mata ninguém. E aqui pacifista me confesso, de um pacifismo bruto e inculto.

Revolução

Aqui jaz a revolta por manifestamente pouca
É tempo, senhores, da Nova Revolução
Eu nasci no ano da graça de 1968
Quando em Paris se renovava o mundo
Agora apelo aos meus: É Hora
De pegar de novo em hinos
E cantar o Tempo Novo que se eleva

Já sabemos todos os homens livres e iguais
E as mulheres ao nosso lado como antes
Sabemos o espaço de Deus
Reverenciamos os anjos
A Liberdade é nossa porque a ganharam por nós
Filhos do Ocidente, é tempo de charruas

Dá-me a mão tu que precisas da minha mão
Exige de mim
Já não pelo mal que te fiz mas pelo bem
Que tenho de fazer, por mim
Sim por mim eu sou igual na carência

Livre ocidentalmente livre
Na minha racional montanha
Ai as vistas não são boas
Da minha ocidental montanha

Pequena História das
Revoluções Verdadeiramente Importantes

Caiu a Bastilha
Nasceu a Comuna
Depois veio o Maio
E nasceu Abril

Revolução 2

A minha teoria é a seguinte
O mundo é bom; o homem é bom
A circunstância é que tem dias
Bons e maus uma espécie de humor
Flutuante como acção cotada
Uma blue chip caprichosa

Interlúdio Romântico
.
Folha Seca

Vai até onde te levam, folha seca
Vai no vento desses hálitos, onde te sopram
As bocas dos que ordenam teus destinos
Vai na frase, vai no grito, vai no olhar duro
Vai, mas não penses que é futuro

Esse construirás com os teus sonhos se os tiveres
Com a mais que certa lágrima, com a segura dor
Com o tijolo roubado, a argamassa podre
Com a tristeza de saberes que nada sabes
Dessa vontade que te leva a construir

Eu não. Eu escolhi ficar aqui neste meu canto
A sonhar estes meus sonhos derradeiros
Escolhi, não fui escolhido, e não me importa
Que venha dessa escolha a mais que certa lágrima
A mais segura dor, a tristeza de tudo saber

Desta vontade que me traz imóvel
Desta certeza que me faz quieto
Destes sonhos que imateriais me fundam
Graníticos alicerces do que sou
Soldados ao exercício do vento

Fim D’hoje

Quando um Homem descobre que é de extrema esquerda aos 38, é chato; sente-se que se desperdiçou, lá está, Tempo. A causa da Liberdade tem de ser defendida por libertários. Suponho uma Anarquia no futuro do homem. E quero fazer parte. Apetece-me a crueldade de chacinar regras. Agora que nasce um tempo sem mestres, apetece-me chafurdar sereno nas lições da história. Vou-me levantar e ouvir a Heróica. Ou o primeiro Bethoven que me sair.

Adenda

Alazão

Leva-me contigo, sonho breve
Na tua quimera dourada
Leva-me agora que tarda
E ter pressa não é grave

Montei na tua garupa
Alazão de pelo claro
Não tenhas galope avaro
Corre comigo este mapa

Transpõe todas as fronteiras
A salto como era então
Nos tempos da comoção
Atrás de antigas quimeras

Transpõe tudo o que te trave
Alazão do sonho breve
Não olhes estas barreiras
Como olhaste p’ras primeiras

Galopa, olhos de sonho
Ruma a futuro risonho
Trotarás em lá chegando
Depende de ti o quando

Garupa em que me sento
Veloz como aquele vento
Soprado noutra revolta
Sonha breve qu’ela volta

Que contigo sonho eu
Com cravos, Abris e sois
Sonhe cada um o seu
Juntá-los-emos depois

Depois de um dia lindo
Em que vou enfim chegar
Dar o caminho por findo
Acabar de cavalgar

Tua garupa castanha
Clara como é tamanha
No teu peito de alazão
A vontade coração

Clara da madrugada
Da luz, do brilho, da cor
Terminada a cavalgada
Chegará por fim amor

Adenda 2

L'avenir depend des revolucionaires, mais il se moque bien des petits révoltes

( ouvido num Brell qualquer, nesta forma ou noutra )

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

 
1º.

Quando comecei o Mais Tempo, a net era para mim uma novidade recente, a blogosfera uma novidade absoluta. Comecei a ver e fazer ao mesmo tempo. Aprendi. E uma das coisas que aprendi foi que a dimensão da mensagem importa. Eu tenho, e dá-me a impressão que muitos bloguers tem, preferência por coisas curtas, imediatas; não forçosamente vagas ou ocas, mas que sejam rapidamente consumíveis. Isto não invalida uma segunda, terceira, quarta leituras, mas o post tem de ser rápido a dizer o que tem para dizer. Estruturei o Mais tempo assim, em velocidade.

Coisas há, porém, que me levam mais tempo, ou, neste caso, outro tempo. Coisas que eu acho que precisam de mais tempo de antena, mais exposição; há também coisas mais longas, mais elaboradas, que me apetece agora fazer. A imagem. Talvez o som. Tenho projectos que precisam de espaço e cor. Assim, funda-se aqui este Outro Tempo, pensando mais em amplitude, em diversidade, em cruzamento. Pensando mais.

Eu

É chegado o momento do adeus mais longo
De prolongar a sílaba e o s final
Apetece agora dizer outra vez coisas que já não tem
O tempo nem a razão nem o lugar
Vejo bailar na língua que uso a necessidade
De mais palavra mais dito mais pressa
Quero, pois quero, moldar numa forja escassa
O gesto percorrido, o som oco, a beleza vã

Disse uma vez
Farto eternamente farto de estar farto
Estranhamente doente deste canto
Que já canto a tanto tempo desarmado
Ou algo assim já não me lembro

É aqui o lugar de recordar caminhos
Porque não fui e dizer porque não fui
Se me lembrar o caminho e a falta de razão

Estou aqui também pela falta de Razão
Para o elogio da loucura simétrica
Para falar de Morte, Sangue e desprezar a Arena
Sigam se quiserem estas longas linhas

Eu que as teço na minha Harpa de Ervas
Porque li Capote e vi O Capote
Eu que sei de muitos séculos
Os capitéis de que se orgulham os Homens
Sigam ou não sigam estas longas linhas

Elas são minhas Sujeitas ao escrutínio de mim
Juiz Supremo
De um Supremo apenas de um Juiz
Eu

Eu é que sou o que importa nestas linhas.

Novamente para a Isabel, que foi dar uma volta, mas eu sei que volta:

Rilke ( a Y. )

A promessa de um céu move-se
Sobre mim como o pássaro dormente
Nas mãos quando tu o apanhas-te
As tuas mãos brancas translúcidas feitas
Para gestos mais largos céus mais fáceis

Esse teu vestido de nuvem vaporosa
Preenchia contra azuis menos funestos
O espaço livre do coração jovem
Que batia em ti sem constrangimentos
Livre e este pássaro contradiz a tua essência

Céu nuvem aspirando a liberdade vaga
De voar ou cavalgar o sonho lapidar
De seres tu mesma e este pássaro passivo
Na melancólica pena ruiva e bege pelagem
De um Inverno duro natural e sólido

A Natureza ampla de um sorriso
Há muito ausente dos teus lábios rectos
As árvores a encolherem sob a neve fria
A sensação de morte a permear o espaço
A rigidez plástica do céu imenso de azul

Daqui a nada vai cair a noite e voar
O pássaro das mãos numa lentidão cristalina
E bela e tu serás o teu vestido nuvem
Na simbiose serena de ser e parecer
O céu o prometido céu

Rilke 2 ( a Y. )

Talhar com a mão a imagem definida
Da única apenas uma mulher da nossa vida
Destruir depois em busca de mais uma
Mulher que não fosse imagem na ironia
Cruel de talhar a própria imagem incorruptível

O desejo seco da madeira móvel na força
Desenhada do buril rarefeita a lixa lisa
Como o pensar original convertido em gesto
A cara assombrosa que te ensombra
Uma tez de tinta por secar húmida de sangue

E lágrimas numa pasta onde serradura
Em texturas polvorentas se diz feição
E modo apenas uma a mulher da vida
Sem mais nenhuma para comparar a tristeza
De nem sequer outra tristeza lancinante

Vai casar e cai um muro fechado num sótão
E uma piada pia com um mau gosto palpável
Abençoada por uma Virgem muda e crua
E outra virgem que breve mudara a condição
E o coração fica como estava estúpido

Numa ignorância ainda mais real que
As pernas coxas e o penar raso e camponês
Existe uma perversa floresta negra rodeando
Werner de uma mulher só uma amálgama
De fé e sombra e de dor táctil que dói profunda

Rilke 3 ( a Y. )

Invoco Anjos como todos os que invocaram Anjos invoco
Percorrendo versos de metal aquecido ao ponto de urna
Amantes crianças saltimbancos transcendendo a pele
E o castelo destruído pela guerra crua entre irmãos
De pena fantoches entre mãos mais dolorosamente altas

Todo o Anjo é terrível a terrível realidade deste verso
Toca-me a testa num pressentimento móvel cheio de
Graça não este não é o Anjo da Maternidade a Maternidade
Não é terrível Gabriel traça-me uma fuga a estes metálicos
Versos em fusão dá-me o reconstruído Castelo de Duíno

Por uma corda de enforcado breve estou nas mãos
De um supremo titereiro o mundo palco de tragédia
Que não me pertence a que pertenço numa vacuidade
Pendente e expectante como o fruto da figueira ainda
Não flor numa inversão doce breve e raramente

Consentida pela metódica natureza que cumpre
O seu astral calendário ascendente de nascer à
Morte não pressentida mas inevitável e portando cândida
Ó amantes em derradeiro beijo vale até onde esse destino
Curto como a estrada para um destino exacto?

Esta Elegia é para mim que a escrevo na Língua
Morta escutada entre as árvores da Floresta do Sangue
E escorre num espesso leite primitivo como o Rio
Styx pelas cavernas ancestrais onde moram heróis
Onde moras Tu, Bardo, Tu e o Teu Anjo Terrível?

Rilke 4 ( a Y. )

A sensível fenda na parede do possível deixa
Penetrar no entanto o olhar atento a vista
É mais longa que o braço mas a chegada da Amante
Sabe a outra coisa mais distante e boa
E é assim que o homem alcança mais

Na profusão das multidões confusas reina
Como a abelha-mestra a possibilidade ínfima
De uma felicidade construída no vazio sonhado
Amantes-Anjo Terríveis e terríveis porque iguais
Na dimensão afinal mínima de simplesmente serem

Um no outro postos olhos ascensos em nuvem e pássaro
Uma cordeira apatia transtorna-os e deixa-os ficar lá
Onde os barcos chegam sem nada e as gaivotas não poisam
O possível é a dimensão do teu sonho e este é concreto
Porque o teu sonho és tu máquina de desejos ávidos

Vai à plenitude do céu apanhar-lhe a cor e o motivo
Faz a casa na beira da água para escutares os mosquitos
Como ideias novas e longos desesperos verdes
De água e sombra faz a casa de tijolo rubro
Da cor apetecível dos morangos maduros

Qual é Anjo a cor máxima dos Amantes a dimensão
Métrica do amplexo e medi-lo uma tarefa vazia
Dado seguramente ser imensa nas suas apertadas dimensões
Voar raso entre telhados marcados e ruas de pedra
Ser o pássaro e prescindir o céu

Rilke 5 ( a Y. )

Cinco dedos nas mãos na ânsia de agarrar o material
Pétreo do futuro despi-lo decifra-lo e muda-lo
Porque a possibilidade de mudar é a regra imutável
Das coisas dos homens dos anjos e da natureza
Impregnada neles como um cheiro a tudo um

Odor de mais um ver o mar na neblina crua
De um dia mais claro que inevitavelmente nasce
Poeta já nos escreve a seiva da primeira árvore
Do Jardim do Éden ou do pântano azedo primeiro
E o nosso nome é vão nas bocas dos mortos

Aprender a linguagem de ver como caminho
Único e irrepetivel de ler ver ver com os olhos
Que antigamente me coroavam com o lírio
O verde e o crescer básico das coisas crescentes
Numa medida exacta de ser por ser medida

Com a medida que um homem deve ter
A exacta medida dos seus olhos quando se fita
No rio num dia sem vento e sem nuvens
E deixa a água a ler-lhe o rosto pelo tempo
Que quiser e mais deixa a água ser

Cinco poemas cinco estrofes mais e
Que me perdoe o Anjo de tentar aqui ser
Um bocado mais de mim Poeta eu sou o mocho
Tu voas na altura da águia ou algo de superior
A ela tu és a águia e um mundo acima

Fim D’hoje

Escorrido

Que fazer com a herança do verso escorrido
Uma maneira de ser pele sobre a pele áspera
Saber o dito ditado por legado e letras mágicas
A atravessar os séculos num cometa fixo
Brilhante como os olhos pálidos das mulheres
De um norte gélido e cinzento azuladamente frio

Uma forma nova impõe com o seu peso curricular
Um modernismo estranho ao meu caótico verso
E puxa-me há cem anos entre cafés na Baixa
Uma saudade provinciana do Martinho cerveja
Preta e empadas, e o brilho do Tejo no brilho
Do céu que recorta a estátua num contraluz barroco

Tenho dias de querer ser o Poeta de…outros não
Viver do verbo é demasiado íntimo para mim como
Se ser para os outros fosse dificilmente oco e
Não sei há uma rispidez no ar que me inquieta
Um sopro no pescoço arrepia-me lento às
Mãos perras e ao verso escasso escorrido

Sou de hoje como só se pode ser de hoje
Não espero de mim o compromisso histórico
De me filiar sob uma bandeira por bela
Uniformizar expressão por amor a cânone
Quero mais deste mundo exangue
Não me chega a planura das águas lisas

Adenda

Correr, fugir
Sair, partir em infindáveis viagens

Estou farto
Eternamente farto de estar farto
Extremamente doente desta terra, deste canto
Que já canto há tanto tempo sem proveito

Sinto em mim, entre o vazio
As ondas de um mar ausente
O fragor das marés cálidas naquela praia de sempre
O som do teu mergulho e o piar das gaivotas
O vento que soprava em solenes notas
.
Falta-me o ar, o sol
O tempo que perdi aqui
Faltam-me os olhos que deixei lá longe
A suave brisa que vinha de ti

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