Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

quinta-feira, agosto 30, 2007

 
34º.

Depois de ti fez-se um vazio ocupado integralmente pela memória de ti. Como tenho pouco espaço para as emoções, mando-as para esse espaço, e agora a memória de ti é um cemitério de corações partidos. Perdi-te exactamente nesse Verão, quando o Alesandro Sainz nos entupia os ouvidos, e tu voltaste de férias e já não eras a mesma, já só eras a mesma memória e eu fiquei com a impressão que serias sempre a mesma. Já não és, já há muitos corações partidos pela tua geografia, muitas ruas calcinadas de desejos de um só sentido, de sentidos pêsames, de defuntas dores. Agora, quando alguém me toca, começo a escavar na memória de ti para encontrar, desde logo, espaço livre para a nova emoção, que sei que vai para lá, somada ao tempo que se gasta. E por vezes, quando o coração efectivamente se parte, penso que o ter tido o tempo de arranjar espaço na memória de ti me impediu de pensar em construir um coração à prova de quebras. A minha alma precisa de obras.

A busca do equilíbrio é a constante da acção do homem. Gerir-se e ao mundo na evolução que nos ditou a vida, nunca comprometendo a existência. Perpetuar-se perpetuando-se, e progredir. Fazer mais com o mesmo mais o pensamento, e pensar como erguer sem destruir, ligar sem romper, ir sabendo como voltar e não saber o destino. Saltar, o salto demente no escuro para agarrar a luz. E saber lá luz, apenas porque sempre que se saltou antes estava lá luz. E sempre foi essa a loucura que ampliou o homem, e sempre a que o fez voltar, sempre para o mesmo sítio, mas mais largo, mais crente em si, mais sábio de outro. Servir o equilíbrio, domando o desejo com doses de progresso. Ir e vir e rodopiar e ampliar a volta não perdendo o pé porque ser é busca, caminho, retorno e recomeço. Ser é equilíbrio.

Na passada algo bélica
Na feição da urgência
Na ânsia do fôlego
Na busca do novo

Vai e traz
A memória percorrida
Ou não voltes e fica
A memória esquecida

Interlúdio Romântico

De um tipo de amor particular que me afecta, ou dos céus de Nova Iorque, ou da Lei e suas aplicações à Alma, ou ainda de poemas muito dedicados

Dos vários tipos de amor gosto do furtivo e incompleto amor que ainda está por se exprimir, dos olhares trocados como moedas velhas de que se tem algum nojo, dos suspiros inaudíveis que se crêem trespassar paredes, dos ais e uis do que será o amor de nós; gosto de esperar a primeira palavra, do primeiro olhar de franco desejo, daquela frase do Vanila Skyes pleasure delayer ( perdoa-me Penelope ) do saber que se quer e mutuamente ainda por cima e não fazer nada porque sofrer assim é bom. Gosto francamente da espera que nos evita os nãos e as responsabilidades dos sins, sobretudo se ela nos ama e não nos diz e se nós a amamos e nada dizemos e os Se todos que servem de alicerce ao futuro do amor de nós. Por exemplo amo agora uma menina que me perdoe se é senhora que eu francamente não sei, e é assim um ping-pong errático quando nos cruzamos dos tais olhares dos tais suspiros que de invisíveis rebentam como nuvens de trovão; agora se sou amado já não sei e mais uma vez francamente nem quero saber porque é bom sofrer assim, é uma espécie de cócega estes ses todos a rabicharem na alma, mas julgo que sim e se não ela que mo diga que eu não me ofendo. Assim defendido o amor de nós, devia ter ido para advogado, mas não sou, sou um simples assistente e como tal assisto e não pago nada e sigo assistindo como se não houvesse fim para o espectáculo das delícias dela; assim defendido o amor de nós, devia ter ido para juiz para adiar a causa ad eternun e permanecer este amor de nós por julgar em processo convenientemente arrumadinho e coberto pelo pó dos anos e seríamos felizes para sempre até ao supremo ou amnistiados ou perdoados pelas festas. Ai este amor por ti menina que agora ficas e daqueles que dói mesmo bem, e olhar para ti é igual a voar baixinho por entre sonhos muito altos e escrever-te poemas cheios de esperanças; ai menina se houvesse eco, ai menina se só ti quisesses, ai menina que não te vi hoje, ai menina se tu já te foste, ai menina onde estás, ai menina como estás, ai menina só. Amor de nós defendido, e nada saber da parte contrária é contraditório, mas quero lá saber! Na justiça poética o manual não é escrito à mão, o código não segue por estradas, e se eu decido amar sou ditador de cátedra, e Amo! Segue este coração o seu ritmo próprio, e nada nem ninguém lhe dita regras; sou assim se me quiseres menina, e não vale a pena ter pena. Agora, sem defesas, transformado este amor de nós em amor por ti, nada tenho para te dizer que já não te tenha dito: E se não ouviste, quero lá saber, e se não me viste olhar quero lá saber, e se nunca me viste quero lá saber; seguirei amando este amor de nós até que cesse, ou até outro amor de nós me faça esquecer o nosso. Terei pena, aí sim, de me esquecer de ti mas ficam os poemas dedicados a que nunca tirarei os títulos, e se esperavas promessas esta é a única que te faço. Adeus agora menina, amor de nós e mais uma vez Mozart, clarinete e melancolia, que é tarde e tenho de me ir.

Fim D’hoje

O meu primeiro amor tinha tranças loiras e só era meio portuguesa. Tinha um apelido improvável e olhos de um azul denso; depois tive outros, como toda a gente. Daqueles que duram o Verão, e daqueles que vão durar a capacidade da memória. Relações e ralações, desencontros e desencontros. Agora cultivo a solidão com o desvelo que devia ter tido por elas. Sou frio. E vou continuar frio. Mas vou continuar.

Os meus amores, sempre no presente, faltam-me como os pratos de um serviço ratado, ou as facas de uma baixela depauperada pelas criadas. Come-se com o que há, e havendo visitas, espera-se que não sejam muitos. A vergonha de não ter a mesa bem posta será hereditária? A minha mãe costumava dizer que tinha nascido com o chapéu na cabeça. A mim, foge-me o pé frequentemente para a chinela.

Adenda

Ouvir, saudoso, o Quinteto para Clarinete K. 581, do Debochado de Salzburgo ( ó ié )

Adenda 2

“A necessidade pode ser colmatada pelo desejo, até à hora das refeições” Chefe Silva, Séc. XX

Postfácio

O amor é, para mim, um desequilíbrio. Assim, Senhores, se houver estranheza na junção dos dois parágrafos que titulam este rascunho, remendem-na por aí. O que me falta, busco; e quando busco, carregado pela lembrança e pela esperança, busco e basta. Na trindade do ter tido perder e vir a ser, na espiral sempre mais aberta de amanhã. Mais ou menos. Eu depois explico, se a tanto me ajudar o engenho e arte ( * ).

Adenda 3

( * ) Luís dos Camiões, que é dono de um TIR, e vai para França todas as segundas de manhã. Não sei a que dia volta, mas é de missa, e antigamente dava a esmola em francos. O euro poupou trabalho ao cura.

domingo, agosto 19, 2007

 
33º.

Tenho livros de vários tipos. Tenho-os postos de várias maneiras. À sua maneira ocupam postos, uns mais importantes que outros. Postam-se neste caso livros. E maneiras de os pôr, uns sobre os outros lado a lado em opostos cantos em sucessivas prateleiras. O livro escadeado em degraus de papel e letra e risco e traço até chegar ao improvável céu dos livros. O livro em branco supremo no vértice último.

Basicamente, são os meus livros que me têm. O espaço deles molda o meu e eu vivo entre eles quase concedido. Vassalo da torre de papel, penso a revolta quando a escrevo, enterrada em ovo pelas revoltas já tanto acima descritas. Tenho ainda o meu primeiro livro. Tenho hoje um livro novo. Assim no avolumar da página cresço esclarecido que todo o processo é vão, toda a busca escassa mas fundamentalmente toda a biblioteca bela.

sábado, agosto 18, 2007

 
32º.

I

Chegam ecos de mim e já não sou
Quem gritou
Vejo a fotografia da cara
( Aquela cara saiu cara )
E já não é a cara que me trespassava os sonhos

Num trotar anda mi alma
Sobre multidões tão mansas quanto eu
Elas ainda podem olhar para cima
Eu já nem olho para nada

II

Não sou de dizer o adeus
Das palavras todas
Eu sei que há palavras que nunca vão embora

Não sou de acenar lenços em cais
Nem de largar lágrimas
Sou de sofrer dentro e construir canais

Partir parto todos os dias em que acordo
E é a mim que deixo
Não há mais amarras pendentes dos meus braços
Já não dou abraços

Vi de mim o futuro nos olhos dos velhos
E nos gestos lentos com que já não agarram nada
Sei de mim a solidez infértil
Árvore solitária na planura árida

E agora paro no centro do quadrado dos quatro horizontes
Que afinal é círculo em que rodo lento
A panorâmica nua da esperança
O sonhar futuros nem sequer sonhados

Vai, vai de mim o espaço branco do mapa
Quero minha preenchida toda a carta
E acabar aqui
Porque aqui me sei

III

O hiato entre ver e dizer
É mais abismo que ponte
A garganta das palavras perdidas
A vertigem da silenciosa vista

Dar o passo novo com estas mesmas pernas
Insistir o verbo a galgar o espaço
O retorno ao palmilhar sonoro
E dizer o quê se nada novo se colou em mim?

Repetir o circular trovão
Rodeado à mesma chuva
Ser raio no dia claro
Tempestade no brilhante Verão

Ser é ser que não consigo
Porque ser é forçosamente ser distinto
E sinto-me a tinta da parede
Ou cardume em rede

Vou então estar que também gosto
Para estar não é necessária intensidade
Deixar escorrer este já velho Agosto
Por entre escamas de brilho e saudade

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