Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

 
11º.

A Morte do Estado

Não! A minha cara não é a minha cara. A minha cara não é. Eu, o bem intencionado, sei que a minha boa intenção é para o bem comum. O bem comum é meu. Eu, o puro de coração, sei que ganharei o céu. Assim, intenção não justifica acção.

Parar para contemplar é agir contra o devir inexorável do mundo. Mas sem contemplações não há convivência. Ceder é sempre a antecâmara da harmonia.

Mas na estrutura intima da cedência, há sempre a noção de que ela é positiva. Assim, ceder é um acto de orgulho. Todas as conexões começam como actos de vaidade. O altruísmo cristão é, na interpretação católica, que é a minha, um adiantamento destinado a amortizar o meu céu. Porque o céu católico e estruturado em condomínio. Fechado aos maus, aberto aos puros, visitável pelos bons.

Neste tempo de calvários e cruzes, que é colado à Primavera desabrida, procura-se associar o renascer do ciclo pagão à ressurreição. É tempo de, em concílio, remeterem a páscoa lá para o Outono. As procissões incomodam as andorinhas.

Dá-me ideia que não me entendem, por vezes, tenho a impressão que a língua em que aprendi a falar já não é a mesma. Hoje, um homem tem de carregar no discurso a atenção aos preconceitos alheios. Antigamente, o preconceito era pessoal. Agora é julgado na Praça. Não sou racista, mas sou etnocentrista; não sou católico, sou cristão. Não me abstenho, sou apolítico, e mais muito mais coisinhas destas.

A minha estória política resume-se a isto: aos 12 era anarquista, aos 16 era democrata-cristão, aos 20 desiludo-partidarista, e a partir daí vi-me confrontado com uma falta de referências políticas que me levou, não à apatia, mas à reflexão e procura de informação. Não sou, mas já fui, um activista, e sou, agora, outra vez Anarquista. No tempo que o estado faz de si bandeira de se gerir como um privado, para que quero eu o estado? Morra o estado. Já não serve para nada.

Cartilha de Auto-Crença

1. A igualdade económica existe
2. O desempate técnico sublima-se pela estética
3. Ser parecer estar e saber acabam em er, com as devidas excepções
4. A lógica é afectivamente uma batata
5. A minha cara não é minha

Cartilha da Esperança

1. Esperar é acreditar
2. Esperar é ter tempo para esperar
3. Esperar é desistir do tempo esperado
4. Esperar não é produzir
5. Esperar é inútil

Cartilha Maternal

1. O alfabeto em bruto é belo
2. aeiou
3. O que digo não me pinta
4. Eu sou o que fizeram de mim
5. A culpa é minha

Interlúdio Romântico

Como o homem dividido entre obrigação e dever
Estou entre mim e mim estarrecido
Como diante um abismo de consolar e sofrer
Amo e desejo em partes diferentes o mesmo objecto

Sonho a mulher-objecto que é hoje abjecta
E não entendo como posso ser igual ao que desprezo
igual a mim

O meu chauvinismo não é meu foi-me imposto
Pelas criadas, as mulheres a dias as donas de casa
O meu machismo vem de ver chegar da bola
Os frustados senhores para jantar às horas

Percebam de mim que sou cultura e hábito em partes desiguais
E como biografia não sirvo de mim mesmo
Os pormenores que acho que me doem
Posso dizer que sou mau, e acreditar-me

Bom sei que não sou, nem para mim
Acredito na mão na mão e no olhar doce
Mas ninguém acredita no meu
E isso magoa como uma prece esquecida

Terapia epistemológica

Ich bin eu sou I am je suis, nada que alguma vez tenha existido. Num verso destemido, na bravata, recuso, como heróico, usar gravata, e vou aos funerais com o terno fato negro dos factuais baptizados. A casamentos não vou, não me convidam. Acredito na igualdade absoluta entre pares. Sou um aristocrata. Não acredito nem em raça, nem em credo, nem em cor, nem em gênero porque não são conceitos lógicos, mas categorias absurdas criadas por uma Natureza génio louco. Para mim é tudo macho azul libertário e liberto. A minha sociedade ideal é a do caracol. As antenas podem ser parabólicas. Respeito as mulheres quando lhes falto ao respeito, porque fui assim ensinado, mas admito perfeitamente que elas faltem ao respeito a quem quiserem menos a mim. Sou livre porque não fumo entre os cigarros do costume. Tenho amigos pretos e de outras cores, eles é que não sabem. Sou feminista porque me exita a queima da lingerie. E chega.

Fim D'hoje

O desenho que precede hoje é um retrato automático, não um auto-retrato. Foi colocado para ser isso. Um desenho feito na máquina para não sair da máquina. Parece-se com a minha cara, mas não sou eu. Nem sequer é um desenho. Os textos de hoje são também textos automáticos. Procurei não dizer nada, preservando a forma. Não me reflectem, como o desenho. Mas são ambos meus produtos. Avariando pelos paradoxos da língua que se diz por máquinas que não se expressam autónomas, vou andar por uma linha menos clara, por aqui adiante. Je ne suis pas Franco-Belge.

Adenda

A verdade morde com dentes podres a fruta macia dos amanheceres
Sabes de mim o que lês de mim
Agora, acho que lês mal
Mais tarde...
.
Adenda 2

As máscaras do preconceito
Não são bem de Carnaval
São vestidas a preceito
Com a farda do normal

Comments:
TU
és
o meu melhor Poeta.



________________

estive uns dias fora e morro.


de prazer de te ler.


abraço.......................S
 
claro que sim...El Greco...:)))


cumprimentada estou...



kisses....bués....:)))))


_______________beijo beijo beijo.
 
Paulo,,,,,


estou aqui.



sempre.



____________.


Y.
 
sim....Paulo, Paolo...

uccello é pássaro....:))))



as coisas que tu sabes...

renascentista de mil faces...


cedendo mas pouco...:)))

_______________


e sim...

ATÉ AMANHÃ....
 
Acabei de me embebedar nas tuas palavras.

Amei o vinho.

Amarei a ressaca.

Apenas o cálice teria amado mais se fosse feito de papel.

Isabel
 
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