3º.
Parker toca em background rumo à meia-noite. O frio nas mãos impede o discurso de fluir. A lentidão dos dedos é contagiante e não consigo elaborar. Não tenho tema. Ando numa arqueologia de versos, e não encontro os meus. Ser culto é uma maçada; tem-se demasiada coisa na cabeça. Até onde vai a vontade de aprender? Vai até ao total das horas. Depois cessa porque fica sem recursos, destituída. Nada se faz sem a hora. A hora destituída de aprender.
Hoje estou de um pedantismo que até a mim dá seca, comprei um casaco novo. Foi muito elogiado.
Parker morreu novo por ser velho em heroína por ser preto e por ser pobre. Gostaria certamente do meu casaco novo. Vestia-se bem, tinha charme e sucesso com as meninas. Bom músico.
Dedica-te á música
No ríspido metralhar da tecla
Surge rápida a formação do verso
Dizer secundário no instante
Preciso de forjar a letra
Mensagem é suposto ter
Mensagem mas eu não
Quero ter mensagem
Quero somar sons
Dedica-te á música
Tolerante é aquela que acredita em margens.
S's & R's
Sublinha a silaba
Um desejo sonoro
De partilhar vibrando
Uma palheta de ar
Keyboard
Quero o soundbyte nético
Palavras percutidas
Batidas até sem som
Quero este keyboard tambor
De tom de selva
De estertor
Quero ruído vivido
Desmerecido de silêncio
Quero bombo
Rombo
Guincho desmembrado
Insonoro de dor auricular
Surdez canora
Sonora sem penas
Apenas
Uivo turvo
Construção notal
Tabacaria, Adriana e Parker
Sei das voltas do mundo que são pequenas; sei-me estreito. Ao estender o braço, muro. Nos pés chão escasso. Por cima azul, vasto, mas inacessível. Faço crescer as minhas plantas ao céu, raízes perfurando o solo. E olho os pássaros, bebo asas. Pequenas formas de anarquia. Projecto a voz e não recebendo eco, sei-a a pousar distâncias que os olhos não galgam. Penso, penso muito. Elaboro no meu âmago complicadas tramas, que às vezes me ocupam horas, algumas dias, em capítulos de novela amanhã há mais. E volto a pensar; escrevo uns versos ( escrevo uns versos, depois rasgo, cantava Adriana ) não os rasgo. Nunca rasgo versos, a não ser que já os tenha copiados; tenho muitos versos; não muitos bons; aposto, definitivamente, na quantidade. E escrevo estes versos para provar que sou sublime ( Tabacaria ). Ouvindo Parker a solar, foge-me a escrita para o improviso jazistico. Mil perdões. Sei que o meio requer concisão. Fim.
Fim D’hoje
Pedante
Houve tempos em que o homem se media pelo tamanho da pança. Maior melhor. Depois veio a eloquência, e estragou tudo. Agora armazenamos ditos e feitos e contrafeitos e defeitos, e biografamos uma página a que chamamos cultura. De massas, para os abastados; popular, para os menos; horto-frutícola, para os afortunados possuidores de um poucochinho de terra. Que já não se fabrica. O primeiro filme é uma saída de fábrica. Lúmieres, queriam ser vocês Barões Proprietários de Operários?
Há no acumular de saber um carácter socrático. Quanto mais sabemos, mais gozo nos dá dizermos que nada sabemos. E o pendão do exército do brilho intelectual, em vez de sombrear os rostos que o empunham com um véu de modéstia, fá-los brilhar de uma arrogância subtil. Como outrora os soldados de Cristo, vale tanto de bandeira como de espada. É preciso apenas que no fim a pilha de mortos do lado de lá seja maior que a pilha de mortos do lado de cá. Andamos, cá para mim, a jogar futebol com a cabeça de mortos, e já nem contamos os golos, só as faltas.
Adenda
Luz Mais Larga
Procuro o puro peso plástico
A atmosfera serena do verso
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Armação
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Arquitectura futura sem traves
Nem entraves
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Só vida luz som
Cristalino como retinas globulares
Oculares como testemunho de fé
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Avé, som!
Avé, sentido!
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Sentidos únicos
Sob os olhos de uma luz mais larga