Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

 
4º.

Perder o juízo é mais ou menos engraçado. Nunca acreditem que um doido não tem consciência; é mentira; simplesmente parte de pressupostos diferentes. O mundo acha que o seu peso colectivo é razão bastante. O doido acha que tendo perdido a razão, não necessita dela para raciocinar. Porque o doido pensa, vejam lá. Em nada que mereça atenção, mas não desligou. Mudou de grau. Ou de degrau. Restas saber de vê mais, se menos. Eu via menos quando andava doido. Mas acredito que haja quem veja mais.
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A Última Verdade Que Permanece Erguida

Abraçado à loucura dancei, há tempos, uma dança de salão. Resta-me constante a sua mão no meu ombro, a sua promessa de ficar, de ser eu quando eu não me quisesse sadio. Hoje de entre portas felizmente cerradas chegam-me ecos dessas voltas. Sereias de exaltado, anzol libertário. Não tenciono ir, mas na história das vontades pesam mais as dóceis que as férreas. Tirano de mim, não me trará a megalomania desejos de voar entre conceitos, de ver de novo a realidade minha, o fuso das horas meu?
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É boa a loucura, doce, molda-se ao desejo e cumpre-o. Pena tenho de a saber tão escassa. Se ela em voto solene dissesse: Até que a morte nos separe; eu ia. Agora assim, a prestações, parece-me usurário o juro, faca troca, pobre escolha. Domarei de mim o Palomino rei da pradaria dourado; trotarei o estreito caminho do normal. Trago nos olhos fechados muita coisa que não vi falha-me no banco de dados tanto que sei que li.

A normalidade corre como um rio à minha beira e essa distância ínfima de eu ao rio é suficiente para sentir-me seco; a beleza do Padrão, do correcto, do isto é isto e nada mais; contra a beleza do grito megalómano, do eu dizer Sou Eu e nada mais quero, de saber o coração meu igual ao mundo e transbordá-lo.

Pois, eu podia-vos falar de não ser igual, mas seria assim igual a todos os diferentes; e nas minhas laboriosas mãos podia correr as contas de um rosário de outras e diversas pedras; mas a minha vida tem sido buscar afinidades, louvar afinações. Quando finalmente fui eu que desafinei, amei o erro que me davam e ele nunca mais me largou. Sim, este desaparafusado amante de simetrias sabe-se hoje ausente dos antigos amores; e carrega uma cruz de dissonância e não sabe a língua das notas para a pôr em música.

Um dia a minha cabeça encheu-se de vozes e não eram minhas; e uma enxurrada de compreensão do mundo e das coisas iluminou-me, como antigamente iluminava os iluminados. Como num órgão vetusto pés e mãos tocaram uma melodia estranha e os registos, e os pedais, o teclado, eram meus e eu. Depois pegaram em mim e fecharam-me e deram-me drogas e conselhos, que conceitos achavam que eu tinha. Mas já não tinha. Perdi talvez o respeito à minha sanidade, e se bem que seja só louco sazonal o poder do desvario ainda é forte em mim. A minha inteligência por uma vez não foi suficiente; desde aí sei que nunca será suficiente.

E daí, pergunto agora à única voz que ainda me resta: Consciência, porque me roubaste o inconsciente? Sanidade, porque me apresentas-te à loucura, quando sabias que eu a amaria muito mais que a ti? E olho para as lições que me deram, e sei certo e errado, bom e mau; mas também sei que já não gosto de escolher entre degraus. A minha alma é agora uma escada barroca que sobe e desce enfeitada a nada; a minha vontade, que eu julgava lúcida, jaz traída à mercê de mim mesmo. Amo a loucura, mas sei que não devia, mas sei que louco nem me resta a noção de dívida.

Os mecanismos da loucura são os mesmos do génio, disse alguém que não recordo; no meu cérebro disfuncional, que bastas vezes acusam de inteligente, é talvez essa a última verdade que permanece erguida.

Intrelúdio Romântico

Entroncamento
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Moradores na mesma casa os corações desavindos
Voam pela mesma asa como pássaros perdidos
Vem já lá a Primavera de cores novas vai vestindo
O cadáver deste Inverno que fenece devagar
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Frio, muito frio guardo ainda em minhas mãos
E os olhos, esses, aquecem demasiadamente lentos
Vi hoje a borboleta primeira, ontem flores na japoneira
Amanhã quem sabe novos rebentos acordem, ternos
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Só tu não mudas, amor, só tu não brotas
Verde de esperanças novas como água de fontes
E me imundas como rio novo, como riso novo
Como vinho em taça cristalina e breve brinde
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Eu vou deixar vir a mim a Primavera, amor
Fica-te lá tu pelo teu Inverno defunto
Que eu quero amanhãs mais quentes, sois mais brilhantes
Que eu quero a relva, também verde, a crescer sob meus pés
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Sonhei, tu sabes, em nós dois em nó atados
Sabes, morreu-me o sonho com a flor da japoneira
Companheiro perene deste Inverno já cadáver
Vou vela-los vagarosamente com círios brandos
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Talvez a luz mais borboletas encandeie
Talvez tu franqueies a passo tímido o limiar da estação
Estarei aqui a receber-te como a irmã passageira
Descida do trem da esperança ao cais futuro
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Não esperes é mais de mim que do Inverno que deixares
Que lá morto estás meu sonho
Ficaste-te pelo frio demasiado tempo
Agora já só me aqueço ao sol, às novas cores
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Adeus te direi à chegada deste entroncamento
Que mais não têm que duas aves desavindas
Uma buscando o Sul mais brando, outra fugindo o Norte agreste
Voando ainda assim as diferentes direcções
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Desencontrei-me de ti por minha culpa
Não fui quem queria ser por falha minha
Adeus então nesta chegada que o atraso
Não foi teu, não foi meu, foi por acaso

Fim D’hoje

O Normal

O normal é o aparente. Nada de novo na frente da Filosofia. O transcendente existe porque é mencionável. Nada de novo na frente poética. Nada é tão ínfimo que não seja representável, nem tão imenso que não seja redutível. Matemática na mesma. A Física é o meu buraco negro. Apenas sei que não sou simultâneo à imagem que projecto. E essa discrepância é normal.

Será então o aparente inexistente. Estabelecida a invisibilidade da representação autêntica do eu, não podemos dizer que o aparente é o normal. A aparência, é, essencialmente, imaterial, como tal não sujeita à catalogação lógica. O normal é, então, não aparente. Aparentemente.

Adenda

2/3

A minha geração foi roubada dos clássicos. Tiraram-nos 2/3 da nossa Cultura. E nós achamos que éramos Modernos. Agora andamos a tentar pôr-nos a par. É tarde para mim. Envelheci mais depressa sem Eles. Perguntei muitas perguntas já perguntadas, respondi o mesmo que alguns, respondi diferente de outros. Não fui é nunca Moderno. Moderno é o que segue Clássico. E a mim roubaram-me os Clássicos. Nunca serei Moderno.

Serei talvez Pós-moderno. A ideia agrada-me. É snob qb. Têm a qualidade culinária que torna uma palavra desejável. Pelo menos o meu apetite é Pós-moderno. Eu explico: é numa primeira fase analítico, numa segunda fase sintético; primeiro descodifica as referências, depois constrói baseado nelas: Não mais a criação é vista como inspiração, senão como participação. Numa época; num movimento; numa facção.

Os Clássicos inspiravam-se. Havia mais ar, mais espaço. Tinham Tempo. Os Modernos inspiravam-se nos Clássicos. Menos ar, espaço e Tempo. Mais saber. Menos inspiração? Os Pós-modernos descodificam. Nunca serei Pós-moderno.

Eu não descodifico. Não é necessário. Basta saber todas as cifras, e todas as linguagens serão legíveis. O meu Universo é o do código binário. Não há mistérios no meu Universo. Qualquer um lê zeros e uns. No meu Universo não há Analfabetos.

A minha geração foi roubada dos Clássicos. Não somos Modernos. Não queremos ser Pós-modernos. Seremos os Clássicos sem ar, Tempo e espaço. Vamo-nos inspirar em nós mesmos; criar a Nova República, desta vez sem cavernas, habitar Utopias do tamanho de continentes emersos. Pensar sem ter espaço para existir, procurar um Tempo perdido pelos que nos roubaram dos Clássicos. Que imensa perda de Tempo. 2/3 de perda de Tempo. Nunca serei Pós-moderno.

Comments:
olho para ti....neo-sempre-romântico.....


olho para o modo como te inscreves.....


como sombra do que não saberia dizer...



beijo Paulo.
 
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