Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

 
6º.


A Liberdade é uma Senhora de muitas caras. Ampla, como todas as Senhoras de antigamente. Por vezes frívola, outras severa, sempre desejada, muitas vezes alcançada e depois, num arranco de despeito, abandonada por outras cadeias mais doces. Porque a Liberdade prende. Faz de nós seus servos, seus lacaios. Já morreu muita gente em nome dela.

Há quem confunda Liberdade com capacidade de escolha. Não é. Liberdade é escolha total. Há quem confunda Liberdade com Direito. Não é. Se fosse, não tinha Leis ferozes a defende-la. Liberdade é recusar em absoluto a lição do passado e a perspectiva de um futuro. Por isso, senhores, cuidado com o que desejam, pois podem consegui-lo.

Ao Prisioneiro de Peniche

O verso livre

O verso livre
É detestado em todas as cadeias
Nas cadeias não há verso livre
E os prisioneiros de consciência
Só escrevem prosas perras
Com lápis rombos de saudade do Céu

Pela janela quadriculada
Já vi nascer o meu número de dias
Nunca escrevi nada
Não me ocorreu que pudesse escrever

O verso livre estava nessa altura
Preso aos Sonetos de Antero
E uma ara nua e fria
E um pórtico partido
E um Oceano rodeava-me invisível e imenso

Depois outras cadeias menos brandas
Fecharam sobre mim a porta férrea
Aprendi a Liberdade do cerco
E que o desejo de partir se veste
Com arame farpado

O verso livre
É detestado em todas as gaiolas
E é por isso que os canários cantam

Une Liberté Française

A Liberdade é, com o seu barrete frísio e o seu seio nu um Delacroix
A Liberdade é, com os seus bustos múltiplos o busto da Bardot
A Liberdade é, com o seu pavimento a praia por baixo
A Liberdade é, com a pichagem de Maio o grito pintado

É proibido proibir La Liberté
É proibido proibir La Esperançe
Vamos, Infantaria da Pátria, renegar a fronteira
Há uma Liberdade recolhida à espera do sol

Método Cientifico

Dissecando

Tese: A Liberdade é Boa. Antítese: A Liberdade é Má. Hipótese: Do uso da Liberdade retira-se a sua caracterização moral. Experiência: Eu, no uso pleno das minhas faculdades, sou Livre. Aqui reparo que a minha hipótese é fascista. Quando se cola um rótulo na Liberdade, neste caso, quanto se mede a Liberdade face à Moral, estamos a submeter a Liberdade, um absoluto, à adjectivação. A minha hipótese é fascista, porque admito que Liberdade e Moral se completam, ou seja, nego o Absoluto Libertário; quando o faço, afirmo-me colectivista, ainda que moralmente restringido. Colectivistas com Moral, só conheço os fascistas. Vou mudar de hipótese.

Reflectindo, o que estava errado era a Tese e a Antítese: Aqui não cabe, porque são pressupostos automáticos. A tese terá de ser: A Liberdade É. A Antítese: A Liberdade não É. Hipótese: A Liberdade Existe. Experiência: Eu, no pleno uso das minhas faculdades, sou Livre. Não, porque não sou eu que determino se estou ou não, em pleno uso do que quer que seja. É o Estado, através da Lei. Assim, ou prescindo de viver num Estado de Direito, ou prescindo da Liberdade. Conclusão: A Liberdade existe em estado selvagem, e nos Estados selvagens.

Elaborando

Não sou Livre. Enquanto Cidadão, enquanto Homem, enquanto Ser que Pensa e se Pensa. Tenho acesso à decisão política, tenho opção sobre o caminho que levo, mas a colisão entre Direito, Lei, Obrigação, Dever, História e, porque não, Destino, leva-me a renegar a Liberdade em troca da Convivência. Liberdade é igual a Solidão. Não a solidão fadista e tristonha, mas a que advém de um exercício de recusa total de opções. Só é livre o que é livre de todas as peias; e esse, exclui-se do Humano. Talvez numa transcendência angelical, ou numa embriaguez demoníaca, mas num plano de existência díspar.

Fim D'hoje

Quando nos olhos do Livre
Se reflecte a luz branca
Do amanhã esperado

Quando nas mãos cansadas
Se rasga d'uso a carta dos Direitos
Há no respirar das coisas
A necessidade nova de erguer

Já não o feroz castelo
Nem fosso nem muralha

Mas o mar das rosas do sangue dos mártires
A estrada plana do melhor futuro

Adenda

“A minha Liberdade acaba onde começa a Liberdade do outro”

Anónimo, Séc. XX, da parte da tarde

Adenda 2

Mental Note: repassar, com ligeireza, Nietzsche

Comments:
nada em ti é ligeiro.



antes prensado pelo teu pensamento elaborado.

depois...


depois cresces rumo às montanhas. que diriges.


para destapar o sol.



bom dia Paulo.


o Pensador.



beijo.te.
 
Damm, Girl! One of this days you gonna make mi cry. Xy.
 
ia comentar...
mas talvez esteja fora de tempo! :)
 
...ma liberté long temps je t'ai gardé comme une perle rare...


obrigada Paulo por me fazeres lembrar a escolha...



beijo


B.
____________________
 
Maria, o meu tempo é, como bem sabe, todo seu enquanto o queira.

Bandida, pelo pouco que li e vi de si, não necessita de ninguém para lhe lembrar o que quer que seja. Obrigado por me ler.
 
ora bem....assim é que eu gosto.

que te leiam.



e que através de ti se faça claridade.


:))))


beijos.
 
Fiquei a roer-me com esta dúvida:
Como é que será possível "repassar, com ligeireza, Nietzsche"???
Oh... esta pergunta inibiu-me... e tu sabes que eu nem sou de grandes inibições!

Ainda por cima tinhas começado com a Liberdade, Senhora de muitas caras... onde escreves qualquer coisa que também me arrepiou a vista: "Liberdade é recusar em absoluto a lição do passado e a perspectiva de um futuro."... pois eu não consigo perceber isto. P'ra mim, isso que dizes ser liberdade, é libertinagem e, isso sim, Liberdade e libertinagem, são "coisas" muito distintas!!
...
Quanto a sermos, ou não, livres... bom, acho que voltas a enrolar-me ali nas palavras. P'ra mim, seremos tão mais livres quanto melhor acompanhados estivermos e formos! Isto de "acompanhados" é isso mesmo, aquilo que pode parecer prisão ou aprisionamento de vontades, desejos, destinos, não prende: Liberta melhor! Porque com confiança, com companhia em forma de companheirismo (sim, que isto é muito diferente!)...
mas vá... tinha prometido a mim mesma que não passaria aqui muito tempo, agarrada à rede, prometido que cumpriria outras formas de escrita que, ainda que agora - aparentemente - me prendam, são caminho para a libertação que se segue! e, mesmo essa, ainda só uma parcela da liberdade maior... que não sei quando se alcançará...
:)
 
Mary:

Quando falo de Nietzshe, é o do Zaratrusta, do ermita solitario que abandonou mundo e coisas e contempla profeta os minúsculos homens, que ele sabe passado. Só. Quanto ao que é Liberdade, pelos vistos não estamos na mesma onda. Para mim, só se pode falar de Liberdade como absoluta, senão estamos a falar de compromisso. E compromisso implica o estabelecimento de acordos paritários, ou seja, cedências mútuas. Criação de obrigações. Aqui, nestes textos, a Liberdade não é a Democracia, nem o resultado da queda de ditaduras, nem o Edem da desobrigação primeira. O mundo é a gaiola, o universo a prisão, e a Liberdade é demasiado imensa para estas paredes. Só isso.
 
:)
Pois...
A onda é, definitivamente, outra.
Vidas...
 
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