6º.
A Liberdade é uma Senhora de muitas caras. Ampla, como todas as Senhoras de antigamente. Por vezes frívola, outras severa, sempre desejada, muitas vezes alcançada e depois, num arranco de despeito, abandonada por outras cadeias mais doces. Porque a Liberdade prende. Faz de nós seus servos, seus lacaios. Já morreu muita gente em nome dela.
Há quem confunda Liberdade com capacidade de escolha. Não é. Liberdade é escolha total. Há quem confunda Liberdade com Direito. Não é. Se fosse, não tinha Leis ferozes a defende-la. Liberdade é recusar em absoluto a lição do passado e a perspectiva de um futuro. Por isso, senhores, cuidado com o que desejam, pois podem consegui-lo.
Ao Prisioneiro de Peniche
O verso livre
O verso livre
É detestado em todas as cadeias
Nas cadeias não há verso livre
E os prisioneiros de consciência
Só escrevem prosas perras
Com lápis rombos de saudade do Céu
Pela janela quadriculada
Já vi nascer o meu número de dias
Nunca escrevi nada
Não me ocorreu que pudesse escrever
O verso livre estava nessa altura
Preso aos Sonetos de Antero
E uma ara nua e fria
E um pórtico partido
E um Oceano rodeava-me invisível e imenso
Depois outras cadeias menos brandas
Fecharam sobre mim a porta férrea
Aprendi a Liberdade do cerco
E que o desejo de partir se veste
Com arame farpado
O verso livre
É detestado em todas as gaiolas
E é por isso que os canários cantam
Une Liberté Française
A Liberdade é, com o seu barrete frísio e o seu seio nu um Delacroix
A Liberdade é, com os seus bustos múltiplos o busto da Bardot
A Liberdade é, com o seu pavimento a praia por baixo
A Liberdade é, com a pichagem de Maio o grito pintado
É proibido proibir La Liberté
É proibido proibir La Esperançe
Vamos, Infantaria da Pátria, renegar a fronteira
Há uma Liberdade recolhida à espera do sol
Método Cientifico
Dissecando
Tese: A Liberdade é Boa. Antítese: A Liberdade é Má. Hipótese: Do uso da Liberdade retira-se a sua caracterização moral. Experiência: Eu, no uso pleno das minhas faculdades, sou Livre. Aqui reparo que a minha hipótese é fascista. Quando se cola um rótulo na Liberdade, neste caso, quanto se mede a Liberdade face à Moral, estamos a submeter a Liberdade, um absoluto, à adjectivação. A minha hipótese é fascista, porque admito que Liberdade e Moral se completam, ou seja, nego o Absoluto Libertário; quando o faço, afirmo-me colectivista, ainda que moralmente restringido. Colectivistas com Moral, só conheço os fascistas. Vou mudar de hipótese.
Reflectindo, o que estava errado era a Tese e a Antítese: Aqui não cabe, porque são pressupostos automáticos. A tese terá de ser: A Liberdade É. A Antítese: A Liberdade não É. Hipótese: A Liberdade Existe. Experiência: Eu, no pleno uso das minhas faculdades, sou Livre. Não, porque não sou eu que determino se estou ou não, em pleno uso do que quer que seja. É o Estado, através da Lei. Assim, ou prescindo de viver num Estado de Direito, ou prescindo da Liberdade. Conclusão: A Liberdade existe em estado selvagem, e nos Estados selvagens.
Elaborando
Não sou Livre. Enquanto Cidadão, enquanto Homem, enquanto Ser que Pensa e se Pensa. Tenho acesso à decisão política, tenho opção sobre o caminho que levo, mas a colisão entre Direito, Lei, Obrigação, Dever, História e, porque não, Destino, leva-me a renegar a Liberdade em troca da Convivência. Liberdade é igual a Solidão. Não a solidão fadista e tristonha, mas a que advém de um exercício de recusa total de opções. Só é livre o que é livre de todas as peias; e esse, exclui-se do Humano. Talvez numa transcendência angelical, ou numa embriaguez demoníaca, mas num plano de existência díspar.
Fim D'hoje
Quando nos olhos do Livre
Se reflecte a luz branca
Do amanhã esperado
Quando nas mãos cansadas
Se rasga d'uso a carta dos Direitos
Há no respirar das coisas
A necessidade nova de erguer
Já não o feroz castelo
Nem fosso nem muralha
Mas o mar das rosas do sangue dos mártires
A estrada plana do melhor futuro
Adenda
“A minha Liberdade acaba onde começa a Liberdade do outro”
Anónimo, Séc. XX, da parte da tarde
Adenda 2
Mental Note: repassar, com ligeireza, Nietzsche