Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

sexta-feira, março 30, 2007

 
18º.
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Escrever é em mim, mais que um acto reflectido, um acto reflexo. Reflexo de mim, do meu mundo, do que vi, do que ouvi; reflexo também porque automático, imediato, não sujeito a elaboração, mas instantâneo. Quando escrevo, releio, mas é raro corrigir. O que dá origem a muita asneira, mas é para isso que escrevo. Normalmente, a asneira previamente escrita não é posteriormente dita; a não ser que eu não a sinta como disparate, o que é raro; sou perspicaz.
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Antes de escrever para o mundo, escrevia para mim. Agora, a consciência de que serei lido mudou, não o que escrevo, mas a forma. Prefiro o curto, o sucinto. Poema, quinze centímetros; prosa, vinte centímetros. Mais que isso obriga a usar o rato, e é chato. Não gosto do chato. Do aborrecido ainda gosto, porque já dá trabalho dizer aborrecido, mas chato é tão automático que é mesmo chato. O aborrecimento requer elaboração intelectual. E é por isso que escrevo. Curto. E curto.
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Há no encadear da palavra, na construção da frase, no edificar do paragrafo uma busca de complexidade que o falar não permite. A oratória, a eloquência, o derramar discursivo buscam servir o argumento, e são por isso condicionadas a um marketing, um cativar audiências, que as torna redondas. Já quando se escreve, pode-se gozar da liberdade incondicional de fazer. E fazer é juntar coisas para produzir coisas maiores. O que aqui não posso, porque seria chato.
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15 cm.
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A extensão do verso ( eléctrica? )
Mede a ideia pura ( e simples? )
Efeito perverso ( kinky? )
Ou mera armadura
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Escrever com o comprimento largo do peso do ditongo ( longo? )
Torna a digestão do conceito fácil tão vasta como do árduo?
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Eu não sei medir o decassílabo
Perco as vogais a contar p'los dedos
Mastigar, corromper o vocábulo
É para mim o mesmo que gritar aos medos ( ineficaz )
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Quinze centímetros a lonjura do olhar
Quinze centímetros o metro da alma
Quinze centímetros medida de amar
Quinze centímetros o total da palma
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Rectificação
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Acima disse que fazer é juntar coisas. Também pode ser separar coisas. Juntando criamos maior, separando ocupamos mais espaço. O que aqui iria dar ao mesmo. A consciência do espaço do ecrã, do que é possível transmitir à primeira, é uma habilidade, uma arte ou uma ciência? Quantos dentre nós se preocupam com isso, com o impacto imediato da abertura da página no Visor? ( aquele que lê/vê Blogs )
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Visor
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Somos diferentes dos leitores de antigamente, embora a maior parte de nós leia ainda. Ganhámos uma apetência pelo deleite visual associado a um conteúdo programático. Elaborando: o Visor gosta da aparência ( não forçosamente do belo, do formoso, mas do aspecto puramente gráfico da página ) e pode-se contentar com isso. Mas normalmente o texto ( não forçosamente de recorte literário, ou até escrito de forma apenas competente ) ocupa um lugar igual. Um mau aspecto geral faz o Visor afastar-se, mas maus textos também. Demora é mais tempo. Eu sou um visor, o que para aqui pode considerar-se uma sub-espécie de Bloguer. Haverá outras, como o Fotor, o Sontor, o Traçor. Lá iremos se houver tempo e pa(ciência).
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Interlúdio Romântico
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Dois poemas
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I
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De rimas te faço espera
Ânsias moldo com teu nome
Sinto o peito como esfera
Sem esquina a que me agarre
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És de pedra magnética
Talhada a bisel de mim
Puxas-me vórtice negro
Por estas águas sem fim
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Piloto já sem timão
Capitão já não comando
Horizonte apenas tu
Minha vontade é teu mando
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II
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Agora que faço das palavras oficina
De um artesanato imaterial de som
Agora que construo em rima nada
Só bordados de tinta negra
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Faltas-me tu que eu queria modelar
Vestir de versos e tons
Fazer minha nos rebolares da língua
Que transcrevo aqui
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Agora vou pintar a natureza morta
Em tons de cinza e luto
Agora vou esperar como antes
Alguém que me faça desenhar
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De letras uma vontade de ser
Mais do que fui ontem
Mais do que fui hoje
Mais do que tinta e som
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Glossário
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Visor – ver acima
Fotor – é mais fotografia
Sontor – é mais música
Traçor – é mais traço ( eu também sou um bocadinho deste )
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Sumário
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Tive uma vez uma uma professora que insistia que os sumários deviam vir no fim da aula. Sumário = Sumula = Soma = A fim da conta = A fim da aula. Achávamos que ela era freak. Hoje dou-lhe inteira razão. Serei um freak?
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Fim D'hoje
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Escrever-me é-me impossível. Não me conheço todo. E eu odeio colecções incompletas. Falar de mim é fácil, já muita gente falou de mim. E para isso não há necessidade de totalidades. A consumação implica um falecimento de procedimentos, não o encerramento do processo. Mas hoje, na entropia da semana, não me apetece elaborar. Elaborai vós, pois, senhores, e até.
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Adenda
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Depois de Amanhã é tão longe como Anteontem, ou o intervalo entre os dias mede-se em esperanças?

Comments:
A arte em qualquer das suas vertentes começa com um desejo, uma fúria de satisfação umbilical e, termina, muitas vezes (não todas) numa tentativa de agradar aos outros. Deve ser (é)terrível tomar consciência disso mesmo. Que para além de tudo o mais, existe o desejo de agradar aos outros. O que era espontâneo passa a ser pensado...produzido, esquematizado!
"Eu gosto", "será que os outros gostam?"...
Perde-se a pureza do gesto, do traço, da palavra.

Sou uma visora (?!) na verdadeira acepção da palavra. Cada imagem gráfica reporta-me a um livro que li, uma sensação que vivi. Cada palavra que leio associo a uma imagem, o meu mundo está povoado delas. Crio cenários, reais e inventados. Gosto de juntar e
separar imagens, encadear ideias que até podem não fazersentido para mais ninguém , mas eu sei que
estão lá.
O umbigo ainda prevalece, o prazer da partilha é grande, se gostam melhor ainda, dou-me por feliz. Não gosto de escrever, nem sequer sobre mim (acho que isto é uma excepção para quê fazê-lo se já há tantos que o fazem melhor que eu ?:)
Ler muito (nunca achei que ler alguma vez fosse demais) torna as pessoas preguiçosas na escrita. Não as torna contudo incapazes de reconhecer a qualidade da escrita dos outros. Um pouco como o meu marido que não eprcebe nada de culinária mas sabe ver se o prato está com falta de sal, ou mal confeccionado. O gosto está lá!

Bom fim de semana
 
o tp... passa,
tanto...

a
correr...........
bj
F
 
embora sinta, às vezes, um certo medo ao abrir o meu blog, nunca são receios estéticos. é o medo de já não me encontrar ali. ou de ter sido enganada pelas minhas chaves e deparar-me com coisas que estavam fechadas. porque sim. porque se tudo o que dizemos é sempre de menos não é por acaso.

nunca sinto o mesmo quando abro alguém para o ler. ou me deslumbra ou não. sou uma amante das palavras. a maior obra de arte, pictoricamente falando, será aquela onde todas as letras se conseguirem harmonizar neste vórtice absurdo onde andam.
(caso a reflectir, ainda. espero é estar perto...)

espero que ao falar de mim percebas que é disto, que aqui leio, que falo.

(anteontem fica mais longe que depois de amanhã. demora mais lembrar que a esperar. é a velocidade do sangue.)

letras de beijo

Nan
 
demora mais lembrar que esperar*
ou
demora mais a lembrar que a esperar*
tanto faz. a ordem da errata não altera o erro...

:)
 
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