18º.
.
Escrever é em mim, mais que um acto reflectido, um acto reflexo. Reflexo de mim, do meu mundo, do que vi, do que ouvi; reflexo também porque automático, imediato, não sujeito a elaboração, mas instantâneo. Quando escrevo, releio, mas é raro corrigir. O que dá origem a muita asneira, mas é para isso que escrevo. Normalmente, a asneira previamente escrita não é posteriormente dita; a não ser que eu não a sinta como disparate, o que é raro; sou perspicaz.
.
Antes de escrever para o mundo, escrevia para mim. Agora, a consciência de que serei lido mudou, não o que escrevo, mas a forma. Prefiro o curto, o sucinto. Poema, quinze centímetros; prosa, vinte centímetros. Mais que isso obriga a usar o rato, e é chato. Não gosto do chato. Do aborrecido ainda gosto, porque já dá trabalho dizer aborrecido, mas chato é tão automático que é mesmo chato. O aborrecimento requer elaboração intelectual. E é por isso que escrevo. Curto. E curto.
.Há no encadear da palavra, na construção da frase, no edificar do paragrafo uma busca de complexidade que o falar não permite. A oratória, a eloquência, o derramar discursivo buscam servir o argumento, e são por isso condicionadas a um marketing, um cativar audiências, que as torna redondas. Já quando se escreve, pode-se gozar da liberdade incondicional de fazer. E fazer é juntar coisas para produzir coisas maiores. O que aqui não posso, porque seria chato.
.15 cm.
.A extensão do verso
( eléctrica? )
Mede a ideia pura
( e simples? )Efeito perverso
( kinky? )
Ou mera armadura
.
Escrever com o comprimento largo do peso do ditongo
( longo? )
Torna a digestão do conceito fácil tão vasta como do árduo?
.Eu não sei medir o decassílabo
Perco as vogais a contar p'los dedos
Mastigar, corromper o vocábulo
É para mim o mesmo que gritar aos medos
( ineficaz ).Quinze centímetros a lonjura do olhar
Quinze centímetros o metro da alma
Quinze centímetros medida de amar
Quinze centímetros o total da palma
.Rectificação
.Acima disse que fazer é juntar coisas. Também pode ser separar coisas. Juntando criamos maior, separando ocupamos mais espaço. O que aqui iria dar ao mesmo. A consciência do espaço do ecrã, do que é possível transmitir à primeira, é uma habilidade, uma arte ou uma ciência? Quantos dentre nós se preocupam com isso, com o impacto imediato da abertura da página no Visor? ( aquele que lê/vê Blogs )
.Visor
.Somos diferentes dos leitores de antigamente, embora a maior parte de nós leia ainda. Ganhámos uma apetência pelo deleite visual associado a um conteúdo programático. Elaborando: o Visor gosta da aparência ( não forçosamente do belo, do formoso, mas do aspecto puramente gráfico da página ) e pode-se contentar com isso. Mas normalmente o texto ( não forçosamente de recorte literário, ou até escrito de forma apenas competente ) ocupa um lugar igual. Um mau aspecto geral faz o Visor afastar-se, mas maus textos também. Demora é mais tempo. Eu sou um visor, o que para aqui pode considerar-se uma sub-espécie de Bloguer. Haverá outras, como o Fotor, o Sontor, o Traçor. Lá iremos se houver tempo e pa(ciência).
.Interlúdio Romântico
.Dois poemas.I.
De rimas te faço espera
Ânsias moldo com teu nome
Sinto o peito como esfera
Sem esquina a que me agarre
.
És de pedra magnética
Talhada a bisel de mim
Puxas-me vórtice negro
Por estas águas sem fim
.
Piloto já sem timão
Capitão já não comando
Horizonte apenas tu
Minha vontade é teu mando
.II.
Agora que faço das palavras oficina
De um artesanato imaterial de som
Agora que construo em rima nada
Só bordados de tinta negra
.
Faltas-me tu que eu queria modelar
Vestir de versos e tons
Fazer minha nos rebolares da língua
Que transcrevo aqui
.
Agora vou pintar a natureza morta
Em tons de cinza e luto
Agora vou esperar como antes
Alguém que me faça desenhar
.
De letras uma vontade de ser
Mais do que fui ontem
Mais do que fui hoje
Mais do que tinta e som
.
Glossário
.
Visor – ver acima
Fotor – é mais fotografia
Sontor – é mais música
Traçor – é mais traço ( eu também sou um bocadinho deste )
.
Sumário
.
Tive uma vez uma uma professora que insistia que os sumários deviam vir no fim da aula. Sumário = Sumula = Soma = A fim da conta = A fim da aula. Achávamos que ela era freak. Hoje dou-lhe inteira razão. Serei um freak?
.
Fim D'hoje
.
Escrever-me é-me impossível. Não me conheço todo. E eu odeio colecções incompletas. Falar de mim é fácil, já muita gente falou de mim. E para isso não há necessidade de totalidades. A consumação implica um falecimento de procedimentos, não o encerramento do processo. Mas hoje, na entropia da semana, não me apetece elaborar. Elaborai vós, pois, senhores, e até.
.
Adenda
.
Depois de Amanhã é tão longe como Anteontem, ou o intervalo entre os dias mede-se em esperanças?