.O tempo é a distância. O tempo é a duração. O tempo é o tamanho da espera. O tempo é a nuvem no céu, a neve na serra, o sol no pinhal, a neblina da esperança. O tempo é de quem o faz. O tempo são nove meses, mais o voo de pássaro do espermatozóide. Mais tempo para quê, pergunto. Para poder ver outro tempo, respondo. Outro tempo para quê, replico. Para poder ter mais tempo, complico. Tempo de ser tempo para ser tempo para ver ouvir amar. Tempo para mudar o Mundo? Tempo para amar-te a ti? E se te falta o tempo, e se te passou o tempo, e se o teu tempo não é teu? Amo-me a mim e à tua imagem nos meus olhos, se tiver tempo. E se o Mundo não quiser? Dámos-lhe tempo. E se já não houver tempo? Paramos, esperamos, e aguardamos melhor hora.
Agora!
.Na métrica redonda do relógio lá de casa, cabem doze casas em números romanos, e trinta e um dias em números dos outros. Só que o quatro vem escrito IIII. É americano, dos fins do Séc XIX, tem mostrador redondo e a caixa de madeira, coberta por uma patine de gordura épica ( era o relógio da cozinha ) que eu recuso limpar, é um octágono, cuja face inferior termina na caixa rectangular do pêndulo, cuja face inferior é um triângulo. Tem ainda três ponteiros, sendo o dos dias finíssimo e terminado por um quarto decrescente . É bonito, mas barulhento. Quando funcionava ( ainda funciona, mas eu tenho-o parado ) ouvia-se na casa toda. Mais antigamente badalava as horas, os quartos e as meias, a meias com o sino da capela. Tenho impressão que foi aí que comecei a gostar de metais.
Blong!
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Time
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Tempo é
tempo
Tempo é hora
Não lamento
O ir embora
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Tempo
passa
Tempo corre
Tempo é massa
Tijolo torre
.
Fabrico em ti a
letra
Durmo por ti a noite
O murmúrio de poeta
O coração que não sente
.Entremeado por
ti
Ensarilha-se o mundo
És o quanto vi
Mar em que me afundo
.Tempo é
tempo
Tempo passa
Não lamento
Tempo é massa
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Interlúdio Romântico
.Abril .Um Abril de águas mil entrou em correntezas; e eu, numa segunda-feira de calor ainda anormal desapareci sob o peso de uma mágoa estranha, como se alguém me tivesse ofendido e eu não tivesse ouvido bem, mas o som, mais que o teor, me moesse, me picasse, me transformasse em amorfa criatura, só com desejos de casa e janelas trancadas. Espaireci, comme d’habitude; estes moods de mi alma são como carrossel, quando estamos no melhor da volta param, e é tempo de descer e entregar mais uma ficha. Não me dá a minha natureza tempo de me habituar a mim mesmo.
Homem de voltinhas, hoje aqui assim, amanhã ali assado, monótona vida que me não fixa sequer o temperamento. Do céu de um cinzento muito claro caí uma chuva miudinha e continua, a que o vento vai variando o grau de inclinação; eu, eu vou esperando que algo não mude.
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Fim D'hoje
.É, está escrito,
homem de voltinhas. Este é do ano passado ( faz tempo ) e este ano foi a mesma coisa. O bom de ter registos é que se poupa a criatividade, e aprende-se a gerir a própria memória. Onde antes guardava a percepção, guardo agora a expressão. O perigo é quando tomamos os registos por medidores de padrão, e queremos prever o dia de amanhã. O padrão, senhores, não aponta caminho, indica estada. E estada implica estrada já precorrida.
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Assim, podemos ter todo o passado numa caixa, e mesmo assim não sabemos nada do hoje, quanto mais do amanhã. Vem isto a propósito dos vendedores de catástrofes que andam por aí a pular, a rugir e a esganar a esperança. Nada nos diz que o futuro vai ser mau. Aliás, se olharmos para a História dos últimas 500 anos, só vemos melhoras. A crença nos Apocalipses é, para mim, sinónimo de nanismo de espirito. Carpe Diem. E senhores, temei as criancinhas. Elas vão ser mais felizes que Vocês.
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Adenda
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Sendo adquirido que vimos da água, porquê, Meu Deus, tem esta gente tanto medo dela?
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Al O. Verclean,
Higienista, séc. XIX
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Adenda 2
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Se a solidão é mensurável, quem é que está a segurar a outra ponta da fita métrica?