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A tremenda força da rotina abala, quando cai, o terreno à volta. E se são fundas as suas fundações, mais funda é a perturbação, o abalo, o sismo e a cisma. Pesa na saudade a vista plácida da janela que já não há, a confiança das paredes, o ranger hábito das portas, o cantar dos canos. A torre da rotina era bela por dentro, e por fora nunca se via, só quando a olhar a rua se topava, de deslize, um reflexo rápido no vidro de um carro. A torre da rotina era, mas já não é
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No baldio, que a custo limpamos de escombros, desenhamos já a nova torre. Porque podemos trocar de torre, mas não podemos ser sem rotinas. Aparelhos, os nossos corpos, não funcionam sem a rede metálica das convicções, lembranças, desejos, opções. E habituados à lenga-lenga do princípio meio e fim, nada pomos de pé sem alicerce parede tecto. E para construir é necessária ordem e método: são indispensáveis as rotinas para erguer os amanhãs. O improviso morre belo e novo, ensina-nos a história. Dá uma bela memória, por vezes, mas não é consequente.
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Quando caí, a rotina faz barulho e assusta a alma plácida. E divide a meio. E meio lamenta a torre, e meio anseia a nova. O que lamenta quer preservar a pedra, o pó, o sítio. O que anseia recusa a velha por já gasta ( se não, porque cairia ), quer diferente, melhor. E vão acabar ambos por juntar as cabeças e somar ideias e memórias, e tirar das retinas uma nova rotina. E pintá-la contra o céu, e entrar nela pela última vez. E só sair quando esta cair. Com ou sem estrondo, com ou sem razão. Porque as rotinas cessam como cessam os homens que as habitam.
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Interlúdio Romântico
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Das Palavras
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Das palavras como tijolos
Que constroem meus arquitectados versos
Somo números que retiro a plantas
Precisas
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Alicerce, parede, telhado
Tenho ao meus versos o amor pedreiro
Do que constrói, com suor e argamassa
Altivo edifício
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Ergo-os no céu antes plano
Amarro-os aos ventos
Exponho-os aos olhares de quem passa
De quem os habita
Mesmo que seja só eu o fantasma desses sítios
Mesmo que mais ninguém sonhe poentes debruçado em suas janelas
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Meus arquitectados versos
Mesmo os mais espontâneos
Alicerce, parede, telhado
Amarrados a amor pedreiro
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No meu cérebro enclausurados
Recuperam liberdades matraqueados por estes dedos ágeis
Vão para o ecrã olhar para mim
Com olhos embaciados pelo brilho de uma luz nova
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Olha, olha quem nos fez acotevelando-se uns aos outros
Olha, olha donde vimos sorrindo meio imbecis de serem outros
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Ai meus arquitectados versos, de planta precisa nascidos
Ai palavras tijolo argamassadas a gramática e rima
Nasçam p'raí à medida da minha vontade escrevinhante
Tapem o sol amarrados aos ventos, sejam vistos em esplendores d'azulejo
Em rigores de telha e ferro forjado em varandas proeminentes de esperança
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Eu, parteira pedreiro, irei, na medida de meus dedos
Na velocidade meiga de vos pensar
Dar-vos irmãos enquanto viva
Nesta termiteira sou rainha de inumeráveis ovos
Alimentado a vós protegido por vós, preso aqui
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E ainda assim capaz de liberdade
Mãe impossivelmente masculina das minhas letras
Não creio no sexo da escrita, não creio anjos meus versos
E Deus, no adeus sempre presente, nunca me expulsou de nenhum lado
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Assim arquitecto de termiteiras de tijolo
Alicerçado na convicção da verdade de mim
Sou mãe-pai dos meus versos
Assim os amo e os solto ao mundo
O mundo estreito da minha convicta liberdade
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Small Talk About the Weather
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O tempo é elástico mas é um elástico muito fininho, daqueles que só apertam um masso pequenino de papéis. Há um paradoxo no mundo dos elásticos. Se o elástico é grande para a carga, não serve e perdem-se papéis; se é pequeno, faz as folhas enrolarem-se em tubo. Ou parte, deixando-nos vazios de elástico. E de tempo. Porque o tempo, embora fininho, é o tempo que se perdeu a por as folhas em ordem, procurar o elástico e a fazer de parvo olhado pelo tubo a dizer "Sou o Galileu a olhar a Lua de Pisa". O que nos levava ao pisa-papeis. Mas não temos tempo, está sol e azul céu pela minha janela, e ela é boa meteorologista.
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Fim D'hoje
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Somos vida. Somos parte. Somos todo. Somos únicos, irrepetíveis e inimitáveis. E não somos nada. Dos olhos novos que virámos ao Espaço, ainda não colhemos senão distância e solidão. Dos olhos novos que viramos para nós, sabemos a origem comum e a certeza do diferente. Temos, como ninguém antes de nós, a noção no nosso lugar e dimensão. E não temos ainda nem um décimo da paz de um planeta gelado orbitando uma estrela moribunda. E pesamos o mesmo à escala do Cosmos. 0,0nada. Vejo as formigas no quintal no carreirinho, vejo-me a mim no meu carreirinho, acredito que alguém no seu carreirinho me vê. E tenho de acreditar no carreirinho. Evito pisar as formigas. Evito olhar as estrelas. Mas já não me evito a mim. Porque me sei único, irrepetível e inimitável. E porque estou ao meu alcance. E porque gosto de diferente.
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Adenda
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A certeza é irmã da consumação; A dúvida é prima da esperança; o fim.
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Adenda 2
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No sol tardio
Promessas de manhã
Um eu vazio
Praia vento
Onda chã
Coração lento