Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

terça-feira, junho 19, 2007

 
27º.

A pasmaceira instala-se na minha alma como um exército acampado à muralha. Estou cercado. Resta saber se estava preparado. Quando era pequenino fui escuteiro. Eu sei, é um estigma, mas fui. E não me arrependo porque, ainda sempre alerta, não me lembro se a decisão foi minha. Sei que o lenço era orgulhosamente amarelo, e era a única farda que tinha. O resto não me compraram os papás. Para parvoíce basta o lenço; fardados andaram os teus irmão com a farda da mocidade, agora não é obrigatório, só levas o lenço. O salazarismo seria mais justo para com as organizações de juventude?

Perdi o teu amor nas dobras do lenço
Como o anel fugidio de um compromisso vago
Acabei por perder o lenço, inevitavelmente
Para que o queria sem anel
Sem ter chegado ao dobrar dos sinos?

Olha a linda noiva
Olha eu
Desalinhado e sem lenço
Para limpar a cara
Para dobrar-me dentro

Numa memória enrolada
No esquecer amarrotado
No oco do anel
Amarelo

Receita

Pego em mim e esfolo-me. Não é necessário escaldar-me previamente, já ando para o morno. Cubro-me de água até ao pescoço, tempero-me a gosto. Saio cozinhado pela noite fora, como se fosse eu que fosse nas traseiras daquelas motinhas das pizas. Distribuo-me ao domicílio. Aceito gorjetas e dou bebidas se encomendarem em quantidade. Sou dose. A meia, essa é sempre preta. Manias. Ninguém me pega como usualmente. Tenho de comprar uma colónia corrosiva para atordoar as moças. Bebo um par de Jacks e volto para casa. A autofagia em excesso será perigosa para a qualidade dos produtos expostos? Provavelmente, mas já devo ser auto imune. Ou moto indigesto? Bem, pelo menos ando lavadinho.

Interludio Romântico ( a L. )

Da Matemática

Capaz de atar uma pedra brutalmente metafórica a este pescoço largo, lançar-me borda fora desta vida, ir. Voar baixo como pássaro cansado num horizonte baço, ave peralta aterrada em lodos, filho de lamas e de desejos baixios. Parecem-me as minhas mãos longe e as vontades básicas. Filho do desejo, abandonaste lar e esperança, e a caridade nunca olhou para ti, nem tu para ela.

Na nova matemática do ser, tu que nunca soubeste a conta, erras porque és, e mais não tens que uma soma de nadas.

Ver para lá da montanha, e compor em tipo raro uma prova tipográfica de um além possível. Saber-me sonho atormentado, pesadelo plácido. Ver no olhar de quem me quer o meu olhar de querer, amar perdidamente porque me encontro em ti. Fazer a pirâmide do verso pare me eternizar nela, e estar nela esperando a renovação da voz. Filho do sol a chuva molha-me de um desgosto etéreo, vão.

Na nova matemática do ser, tu que contavas pelos dedos, erras porque sim, e mais não tens que a consequência de agora.

Trepo a encosta porque a sei descida; no topo acendo o cigarro mais gesto que vontade; desço outra encosta porque a sei subida. A minha cidade corcovada chama-me e eu vou por ela palmilhante e doce. Sei as casas as árvores os pássaros e as pessoas; sei-a toda. E deixo-a vestir-me o verbo de som e cor, de vento e mais. A minha cidade ama-me porque eu sou dela.

Na nova matemática do ser, tu afirmas física, e filosoficamente erras.

Fim D’hoje

Costumo dizer que para haver muita cultura tem de haver muito estrume. No meu caso é rigorosamente verdade. Acredito, porque me apetece, em excepções. Vinícios e Toquinho rodam para ali, bossa. Vou mudar a onda Moisés dos meus discos. Monk & Trane. Hoje deu-me para os duos dinâmicos. Há uma saudade que me cobre os ombros como um xaile. As músicas tem forros como os casacos.

Adenda

“Olha a linda noiva, queria-se casar, mas ficou viúva, antes do altar” Acho que é Xutos.

Adenda 2

A força da maré
Desaba-me em castelos
Com vista para o mar
Esboroo-me em paisagens
Térreas

Adenda 2 bis

No plano inclinado
Areia e vento
Rolo seixo
E aceito
O necessário sal


Comments:
Pego em mim e esfolo-me. Não é necessário escaldar-me previamente, já ando para o morno. Cubro-me de água até ao pescoço, tempero-me a gosto. Saio cozinhado pela noite fora, como se fosse eu que fosse nas traseiras daquelas motinhas das pizas. Distribuo-me ao domicílio....

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matematicamente és do melhor exercício. para a alma.


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re.brilhante.


beijos.
 
Ler-te é um vício que educa a alma.
XI
 
Amor sem anel devia continuar a ser amor. Não ofereço um lenço mas ofereço um braço virtual para cavar uma trincheira. Passar o cerco.
A tua leitura tem que ir por partes ... um pouco como a receita que nos deixas. Não me parece indegesta . talvez a única coisa a alterar seja o tempo de cozedura.
O tempo, sempe o tempo!
Gosto dos teus voos, embora os prefira sem qualquer rigor. Sem a matemática . Nada de preciso. Gosto dos teus passeios encosta acima e encosta abaixo e gosto sobretudo como tu vês a cidade.
É como eu vejo o meu país. Ele não é meu, pertenço-lhe.
Músicas hoje e de há uns dias só sem vozes. Impedem-me de ouvir o chilreio dos pássaros.

Um beijo encosta acima e encosta abaixo, feito seixo.
 
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