Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

sábado, agosto 18, 2007

 
32º.

I

Chegam ecos de mim e já não sou
Quem gritou
Vejo a fotografia da cara
( Aquela cara saiu cara )
E já não é a cara que me trespassava os sonhos

Num trotar anda mi alma
Sobre multidões tão mansas quanto eu
Elas ainda podem olhar para cima
Eu já nem olho para nada

II

Não sou de dizer o adeus
Das palavras todas
Eu sei que há palavras que nunca vão embora

Não sou de acenar lenços em cais
Nem de largar lágrimas
Sou de sofrer dentro e construir canais

Partir parto todos os dias em que acordo
E é a mim que deixo
Não há mais amarras pendentes dos meus braços
Já não dou abraços

Vi de mim o futuro nos olhos dos velhos
E nos gestos lentos com que já não agarram nada
Sei de mim a solidez infértil
Árvore solitária na planura árida

E agora paro no centro do quadrado dos quatro horizontes
Que afinal é círculo em que rodo lento
A panorâmica nua da esperança
O sonhar futuros nem sequer sonhados

Vai, vai de mim o espaço branco do mapa
Quero minha preenchida toda a carta
E acabar aqui
Porque aqui me sei

III

O hiato entre ver e dizer
É mais abismo que ponte
A garganta das palavras perdidas
A vertigem da silenciosa vista

Dar o passo novo com estas mesmas pernas
Insistir o verbo a galgar o espaço
O retorno ao palmilhar sonoro
E dizer o quê se nada novo se colou em mim?

Repetir o circular trovão
Rodeado à mesma chuva
Ser raio no dia claro
Tempestade no brilhante Verão

Ser é ser que não consigo
Porque ser é forçosamente ser distinto
E sinto-me a tinta da parede
Ou cardume em rede

Vou então estar que também gosto
Para estar não é necessária intensidade
Deixar escorrer este já velho Agosto
Por entre escamas de brilho e saudade

Comments:
e de ti levo este eco..."falante".

a trespassar memórias como dias de aparente mansidão.....




bom dia Paulo.



bom regressar-Te.


beijo.
 
há palavras que pedem música de fundo...

[de mansidez feita...]
 
venho aqui muito triste por ter andado a matutar na palavra "mansidez" (que me saíu num rompante tão grande)e afinal não existir. existe mansidão, claro.

depois de ter escrito aquilo, senti uma certa estranheza sobre ela. julguei que era sono porque - juro - nunca coloquei em dúvida que não existisse.

afinal...

bom, inventei uma palavra. muito óbvia mas nem por isso menos bonita: mistura de mansidão e languidez...

:)
 
Além de mansidão / languidez, poderiamos acrescentar mansidão / acidez, ou até mansidão / desfez. O meu léxico é básicamente elástico, e por aqui, onde os tribunais da correcção gramatical não têm foro, solto-me e faço dessas coisas quase naturalmente. Não estou sozinho, pelo que vejo. Quando li, nem questionei. A língua, afinal, é nossa; o nosso dialecto intimo ninguém partilha. E como na tua torre, onde havia todas as linguas do mundo, e mesmo assim todos os dias chegava gente com palavras novas. O limite é o entendimento. E para lá desse entendimento, a desconstrução hábil de quem sabe o espaço estreito e quer fundar mais.
Tenho um dicionário de inglês de 1794, em formaro A5 ( ou mais pequeno ) com 265 folhas. Ainda bem que a língua cresce; ficamos com livros maiores. Xi.
 
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