Outro Tempo

Porque às vezes mais não é suficiente

sexta-feira, setembro 14, 2007

 
36º.

No meu caderno de anotar pensamentos anotei um pensamento ilegível. A leitura de pensamentos passa, para mim, por passar a limpo. Aliás, muito da minha vida tem sido passar a limpo. Higienizar. Fiquei sem o pensamento. É natural que o volte a pensar, mas nunca será o mesmo. Momentos diferentes implicam pensamentos distintos. Coordenadas mentais diversas.

A vida como lição de incidência, de grau, da inclinação ( romântica ? ). O degrau. Sempre o degrau. 39 degraus. Ascenseur pour l’échafaud. Malle et Miles. Por acaso é Coltrane que roda. E bem. Nunca vi o filme, o que é uma falha. Tenho medo que me desiluda.

No meu caderno de anotar pensamentos vou anotar letra redondinha para o futuro, obviamente já em letra redondinha. Assim, senhores, desfrutem do privilégio de me lerem corrigido e ampliado. Coltrane sopra, tonitruante e magnânimo. A vida é bela debaixo de jazz.

Tenho no passo
A circulação das ondas
A ondulação da espiga
A decorada lição de andar

Que o andar molda-se
Constrói-se e recria-se
A deslocação carrega emoção
Diferença e projecção

Andar é ir com mais
Andar é colorir o espaço
Animal das calçadas
A minha sombra

Interlúdio Romântico ( a M. )

Pode a besta dar lições à bela?

E quatro dias de nada
Nem hora nem espaço
Coordenada para mim
Só a medida do abraço
Desprovida de música
A valsa dos amantes
Desejo de mais
Crença no antes
Assim como a ponte
Com que enfeitam meu rio
Medida vai ser a pé
Rio corrido a pé
( Antes no Choupal
Também havia um vau,
E chegado ao outro lado
Escorria por nós uma
Espécie de vitoria
Liquida )
Mondego de noites negras
Coimbra desprovida de estrelas
Na margem que te relvaram
Correm meus olhos
Atrás de outra maneira de ver
Pode a besta dar lições à bela?
Ou a memória alicerce do sonho
Está tão pesada de desejo
Que esqueceu onde nasceu?

Fim D’hoje

Curto e breve, que há viagem. Ainda há um trem entre mim e a noite. O passo gigante deste cais à outra gare. A ponte móvel, o passadiço encarrilado entre milho e vinhas, cidades. Vou no som. E devo, com toda a probabilidade, ir para o som.

Adenda

“Ascenseur pour l’echfaud” Miles Davis, 1957 ( séc. XX )
“Crescent” John Coltrane, 1964 ( também séc. XX )

Adenda 2

“Gostava de ser tão surdo como Betovem, mas menos bruto” Mell O’Men Modernis, polémicista e pacifista afamado, circa 900.

Adenda 3

A minha bicicleta tem um pneu novo. Não anda mais depressa, mas é como fazer obras em casa; parece que não está nada no sítio.

Comments:
Contratar uma mulher-a-dias não resolve o problema de limpeza desses cantos da casa. De vez em quando também os procuro mas acaba por ficar sempre alguma pontinha lá ao fundo onde o tubo do aspirador não chega. Aspiro assim os meus momentos (mal) passados enquanto o meu interior aspira a outros melhores. Posso escutar Coltrane e de-graus só penso nos 100 , aqueles a que a água ferve para fazer um chá e te continuar a ler no escorrer da noite, no deslizar do visor.

Um beijo (desaparecido)
 
Existe muita Besta por ai a tentar dar lições, a minha resposta é sim.

Higienizar é bom desde que não se torne em obsessão, por vezes os pensamentos que mais gosto são os tais pensamentos ilegíveis rasgados e torcidos ruídos em pequenas fracções.
 
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